Nesse período de muita folia, o Brasil inteiro vive um momento, se não me engano, sem concorrente no mundo, quer pela grandiosidade, quer pela alegria. O melhor mesmo é cair na dança e manter a tradição que nasceu no Egito, há pelo menos 2 mil anos antes de Cristo: o carnaval.
Para falar a verdade, pouco se sabe da história do carnaval, mas há quem afirme ter a sua origem em celebrações orgíacas da humanidade, muitas de caráter religioso, em homenagem ao deus Saturno. Essas festas celebravam a volta da primavera, que simbolizava o renascer da natureza. A primavera no hemisfério norte se inicia no dia 21 de março.
Mas o dia do carnaval propriamente dito é o domingo da qüinquagésima (50 dias), o primeiro domingo antes da quaresma, iniciando-se em dia de Reis. As máscaras comumente usadas nesse período representavam um culto aos mortos. Elas foram introduzidas no carnaval brasileiro em 1834, por influência francesa.
Em alguns países, o carnaval é simbolizado por um boneco grotesco, que é queimado e enterrado no dia de cinzas. No Brasil, o boneco representa Judas, o discípulo que traiu Jesus, por conta de ingerências da Igreja Católica. Segundo o dicionário Houaiss, o carnaval é um “período anual de festas profanas, originadas na Antiguidade e recuperadas pelo cristianismo”.
A influência portuguesa no carnaval brasileiro é profundamente marcante. Os primeiros colonizadores trouxeram com eles o “entrudo”, que se festeja em tempo de comer carne, em oposição ao jejum da quaresma. O “entrudo” corresponde ao início da quaresma e representava o antigo carnaval português, trazido para o Brasil logo após o descobrimento. Promoviam-se nas ruas verdadeiras guerras em que as armas eram ovos crus, baldes de água, limões de cheiro, bisnagas, sacos de farinha ou gesso, cabaças de cera com água perfumada e outros apetrechos. Com o passar dos anos, essas armas foram sendo substituídas pelos confetes e serpentinas, perdurando até hoje.
ZÉ PEREIRA
Muitos atribuem a introdução do Zé Pereira no Brasil ao sapateiro José Nogueira de Azevedo Paredes, que num determinado carnaval saiu às ruas em passeata, ao som de zabumbas e tambores, em meados do século XIX. Nos anos seguintes, muitos foliões passaram a imitá-lo, saindo às ruas também com tambores, vestindo qualquer roupa e fazendo muito barulho. Há quem afirme ser o Zé Pereira fruto de uma expressão usada em Portugal. Segundo o músico português Henrique Oliveira, “em Portugal este termo é utilizado principalmente no litoral Norte e centro ou seja entre o Alto Minho e a Zona de Coimbra, para designar qualquer agrupamento que inclua tocadores de caixa e Bombo (instrumentos de percussão) e quase sempre também um ou mais tocadores de gaita de foles”.
A música que se cantava tinha os seguintes versos:
E viva o Zé Pereira
Pois a ninguém faz mal
E viva a bebedeira
Nos dias de Carnaval
No final do século XIX, foi introduzida no Brasil a figura do Zé Côdea, hoje conhecido como “sujo”, para fazer surgir os blocos de sujo, onde os participantes pintam as caras de graxa, usam roupa velha e saem batendo em latas. Para criar animação, o brasileiro é mestre em improvisar, extraindo do dia-a-dia instrumentos e percussões de objetos e situações inusitadas.
MEMÓRIAS DE UM FOLIÃO
José Elias Arêa Leão, ex presidente da Fundação Cultural do Piauí, carrega muitas lembranças de carnavais passados. É um colecionador de memórias, um homem de cultura, sempre apegado ao que Teresina já foi. Uma ponta de saudade fez José Elias relembrar como era o carnaval em Teresina e seus principais personagens:
“Lembro que as preparações para festas de clubes eram cheias de empolgação. Cada grupo tinha uma determinada casa para montar o seu carnaval, para fazer a sua base e ir aos clubes. Nessa época, não tinha carnaval sem base, principalmente porque não tinha essa proliferação de botecos na cidade.
“As moças se organizavam fazendo blocos, bonitas, enfeitadas e com fantasias altamente luxuosas. E tudo existia em função da criatividade, porque todo mundo tentava criar alguma coisa. Eram fantasias para brincar, para aparecer em clubes com a maior descontração.
“Eu me lembro que existiam os serenos nas festas, porque toda festa tinha sereno. Tinha os que iam para a festa e os que iam para o sereno, ficando do lado de fora, vendo e comentando. Nessas festas não existiam exibicionismos. Existia o folião verdadeiro, limpo. No carnaval de 1948, por exemplo, Dr. Durvalino Couto vestiu-se de maiô preto e colocou uma faixa escrito: “Marta Rocha”. Quer dizer, um médico, um cidadão do maior respeito que existia em Teresina, podia participar com toda animação, porque ele era animadíssimo. Naquele tempo, todo mundo podia fazer isso; hoje ninguém faz, o cidadão não tem mais coragem de fazer isso.
“Todos os carros de Teresina passavam pela rua Bela, que era a espinha dorsal da cidade. Jeeps, rurais, citroens e outros veículos. Os jeeps eram enfeitados com papel crepom, usava-se muita lança-perfume, talco, todo mundo passando no corso e cumprimentando os que ficavam nas portas, jogando confetes e serpentinas.
“Era o único período do ano em que era permitido às prostitutas ter um caminhão próprio, com aquelas fantasias lindas, saias redondas, pinturas, batons e muitas outras alegorias. Até as próprias esposas, naquele período de carnaval, permitiam que os seus maridos jogassem lança-perfume e recebessem lança-perfume das prostitutas, com aquela troca de carinho. Era a única vez em que os preconceitos terríveis eram abafados por uma das partes mais bonitas do corso, que era o caminhão das prostitutas.
DATAS DO CARNAVAL
1604 – Medidas passam a ser tomadas contra o “entrudo”, pelo caráter violento das brincadeiras.
1834 – São introduzidas as máscaras, por influência francesa.
1840 – Realizado o primeiro baile do carnaval carioca.
1846 – Surge o “Zé Pereira”.
1854 – O “entrudo” entra em declínio.
1855 – A imprensa lança uma campanha pela volta dos desfiles. É fundado o Congresso das Sumidades Carnavalescas, que faz a sua primeira passeata. José de Alencar e Manuel Antonio de Almeida são os primeiros articuladores da imprensa.
1888 – Desfile do primeiro “cordão” organizado do Rio, a Sociedade Carnavalesca Triunfo dos Cucumbis, com influência africana. Constituía-se de negros fantasiados de índios, tocando instrumentos primitivos e levando ao centro uma rainha com um grande manto seguro por dois foliões.
1892 – Surgem as primeiras serpentinas.
1900 – Os bailes carnavalescos atingem as sedes dos clubes sociais.
1901 – São introduzidos os óculos coloridos e os narizes postiços de fabricação alemã.
1907 – Primeiros sinais de homens vestidos de mulheres no carnaval de rua.
1908 – Surge a figura do “bebê” com uma grande fralda, mamadeira e chupeta.
1911 – A fantasia de “padre” é proibida pela polícia. É nesse ano que surge o lança-perfume.
1926 – Uma empresa estrangeira promove a vinda de turistas para o carnaval carioca.
ALGUMAS MÚSICAS DE CARNAVAIS PASSADOS
Abre-Alas (1900-1902, Chiquinha Gonzaga).
Vassourinha (1912, Felipe Duarte).
Taí (1929, Joubert de Carvalho).
O teu cabelo não nega (1932, Irmãos Valença e Lamartine Babo).
Linda Morena (1933, Lamartine Babo).
Até amanhã (1933, Noel Rosa).
Fita amarela (1933, Noel Rosa).
O orvalho vem caindo (1934, Noel Rosa).
Cidade maravilhosa (1935, André Filho).
Mamãe eu quero (1937, Vicente Paiva e Jararaca).
Touradas em Madri (1938, João de Barro e Alberto Ribeiro).
As pastorinhas (1938, João de Barro e Alberto Ribeiro).
Não tenho lágrimas (1938, Max Bulhões e Milton de Oliveira).
Jardineira (1939, Humberto Porto e Benedito Lacerda).
Aurora (1941, Mário Lago e Roberto Roberti).
Alá-lá-ô (1941, Nássara e Haroldo Lobo).
Ai, que saudade da Amélia (1942, Ataulfo Alves e Mário Lago.
Atire a primeira pedra (1944, Ataulfo Alves e Mário Lago).
Pirata da perna de pau (1947, João de Barro e Alberto Ribeiro).
Sassaricando (1952, Luiz Antonio, Oldemar Magalhães e Zé Mário).
Maria Escandalosa (1955, Armando Cavalcanti e Klécius Caldas).
Tem nego bebo aí (1955, Mirabeau e Airton Amorim).
Quem sabe, sabe (1956, Joel de Almeida e Carvalinho).
Turma do funil (1956, Mirabeau).
Me dá um dinheiro aí (1960, Homero Ivan e Glauco Ferreira).
A cabeleira do Zezé (1964, João Kelly e Roberto Faissal).
Tristeza (1966, Haroldo Lobo e Niltinho).
Máscara Negra (1967, Zé Keti e Pereira Matos).
Bloco da solidão (1971, Evaldo Gouveia e Jair Amorim).
Israel (1973, João Kelly e Raquel).