Ainda faltam dois anos para que eu chegue a sessentão, mas já andam me lembrando que pode estar bem mais perto do que imagino. Outro dia, fui à Caixa Econômica e pedi uma senha. Uma atendente, magrinha como são as atendentes da Caixa, sem me perguntar nada apertou a tecla "Preferencial". Sem me dar conta, fui para o salão, aquele mesmo que está sempre apinhado de gente. Pois num é que mal me sentei chamaram o meu número! E o box era exatamente aquele que vocês estão pensando. Fiquei meio envergonhado, mas até que gostei da regalia. Nós somos, na verdade, aquilo que os outros nos querem ver. Só lembro que estou envelhecendo quando alguém lembra primeiro. E assim caminha a humanidade!
Outro dia, fui a uma lotérica pagar o boleto do carro. Como a fila estava muito grande, e sem saber se recebiam boleto de carro em lotérica, fui até o caixa e perguntei se eles recebiam aquele tipo de pagamento. A moça respondeu: "recebemos, sim; pode ficar aí que o senhor não entra em fila". Não aceitei a regalia, mas acho que estão me provocando com esses meus cabelos prateados.
Tem mais. Fui a São Paulo, visitar minha filha. Quando entrei no metrô, que estava lotado, uma garota me cedeu o lugar. Isso é ou não é uma provocação? Recusei a gentileza, mas estou num pé e noutro para me tornar idoso pela força da lei, antes do tempo! Mas se está na lei, é direito. Agora, convenhamos, há situações em que fazer valer as regalias da lei me deixa à beira de um ataque de nervos, especialmente em filas de banco ou casas lotéricas. Virou moda: se eu tenho mais de 60 anos, sou prioridade. Até aí, nada excepcional. A expectativa de vida do brasileiro saltou de 48 anos em 1960 para 73 anos em 2012, ou seja, observa-se pelas ruas avós e avôs cada vez mais novos e sarados, enquanto aquele papel de velhinhos com óculos na ponta do nariz recebeu um Up Grade e deixou a imagem para os bisavós. Um homem ou uma mulher de 60 anos, nos dias atuais, são saudáveis e cheios de energia, chegando a se mostrarem em competições esportivas, em caminhadas ou pedaladas pelas ruas, além de se programarem para curtir longas viagens. Todos nós nutrimos o dever de respeitar os mais velhos e permitir que saiam à frente em qualquer situação. Mas existem situações que me são incompreensíveis. Se não, vejamos.
Tenho notado que muita gente gosta de pintar os cabelos. Antigamente, as mulheres até mais do que os homens. A vaidade feminina é uma arte, mas a vaidade masculina ainda não encontrou o seu porto seguro, pelo menos na minha forma de ver o dia-a-dia. Os homens, de alguns anos para cá, começaram a perceber que pintar os cabelos os deixa mais jovens. Andei questionando alguns amigos e as respostas pareciam ter sido combinadas: jovialidade e bem-estar. Concordo plenamente. Se um punhado de tinta deixa alguém mais feliz e de bem consigo mesmo, por que condenar? Cá de minha parte, não tenho nada contra os amigos ou qualquer um que queira pintar os cabelos, uns amarronzados, outros avermelhados e outros mais pretos do que as asas da graúna. Até acho que não existe nada melhor para denunciar um idoso do que cabelos pintados, sem falar das rugas que se alastram pelos cantos da face. Mas eu dizia que não vejo nada demais que alguém pinte os cabelos, mas me incomoda o comportamento nas filas, quando as atitudes são também associadas a uma boa condição física.
Na vida em sociedade, nos bares e restaurantes, nos cinemas ou nos shoppings, os idosos que pintam os cabelos se exibem joviais, como gostam, e desfilam com maestria e elegância. Mostram-se com vigor, o que nos leva a crer que podemos recuperar pelo menos uns vinte anos de suas idades. Mas esse mesmo comportamento não ocorre nas filas de banco nem nas casas lotéricas, quando invadem as filas para se valer da Lei No. 10.741, de 1 de outubro de 2003, assinada pelo então Presidente Lula. Ali dentro está o Estatuto do Idoso, que assegura, em seu artigo primeiro, direitos às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. O Parágrafo Quarto do art. 71 é taxativo: “Para o atendimento prioritário será garantido ao idoso o fácil acesso aos assentos e caixas, identificados com a destinação a idosos em local visível e caracteres legíveis”. É um direito, é lei, nada há que se questionar. Mas, em qualquer caso, creio que deva prevalecer o bom senso. Para que parecerem mais jovens, se não enfrentam alguns minutos numa fila? Isso é no mínimo um conflito de identidade, uma incoerência. As filas nos permitem observar o próximo, o seu comportamento, às vezes a solidão que impera. E noto que, a cada dia, mais idosos de 60 anos ou mais estão em plena forma física, mas não entendo por que querem parecer mais jovens do que são, se fazem questão de fazer valer os direitos embutidos na lei. Não sei que reação teriam, caso eu os abordasse nas filas e os questionasse sobre isso. Talvez eu levasse para casa um olho roxo, sem revidar para não ser linchado.