São três as nascentes de que se origina “Macauã” (Recife, Bagaço, 2008), o novo romance de Eneas Barros: a história, a religião e a cultura popular. Entre as matérias de interesse do escritor, acham-se a descoberta, o desbravamento e a ocupação das terras que hoje se chamam Piauí: não segundo a historiografia oficial, que abrange de 1500 para cá, mas conforme teses especulativas que remontam a milênios, quando navegadores fenícios teriam cruzado o Atlântico, subido o Parnaíba foz adentro e chegado aos sertões das Sete Cidades. Na bagagem desses viajantes, além de artefatos e jóias, havia crenças e ritos que se contrapunham ao monoteísmo judaico, fonte do cristianismo que, como um sopro a varrer o deserto palestino, transpôs mares e terras e acabou por se espalhar pelo mundo.
Reflexões polêmicas, que vão da divindade do Cristo à própria existência do Deus judaico-cristão-muçulmano, o escritor já fizera no livro “Em verdade vos digo”, retomadas em “Macauã” por Elomar e Elin, seu fraterno amigo, que dialogam sobre o radicalismo cristão, o poder de Moisés e a riqueza — humana, cultural e religiosa — dos que têm fé em muitos deuses. Com saber e maestria, Eneas também lança mão de lendas do Piauí, como as que contam as histórias de Zabelê e do Cabeça-de-Cuia, mitos que dão interesse e vigor ao romance pelo simbolismo e pela beleza de que se revestem.
A correção do texto, a fluidez dos diálogos e o bom desenvolvimento da ação, virtudes que o romancista já demostrara ao escrever “Parabélum”, novamente se encontram em “Macauã”. Entre as personagens, compostas com talento e segura definição, distinguem-se Elomar, pela argúcia intelectual; Jaçanã, pela força dramática, e Elin, pela riqueza humana e pela plácida sabedoria com que vê o mundo e os homens. São criaturas que não morrem no capítulo final, porque continuam a viver na imaginação do leitor. Esses, os motivos que recomendam “Macauã” ao público, e que fazem de Eneas Barros um dos mais promissores nomes da literatura brasileira contemporânea. .