Um dia, li em uma antiga revista Seleções, cuja coleção meu pai acumulava mensalmente, a história do primeiro americano a entrar na China, na época de Mao Tsé Tung. A China fazia parte dos países comunistas, fechados para o mundo, voltados para as suas economias e relações comerciais em blocos rígidos, satélites da “Cortina de Ferro”, ferrenhos opositores dos americanos. Essa história se passou em meados da década de 60. É possível que você já tenha ouvido falar daquela época.
Pois bem. Era impossível até sonhar com a possibilidade de entrar-se na China, pois não havia liberação de passaporte, a não ser de outros países comunistas. Os estudantes adoravam estudar a China, aquele país distante e enigmático, que mais atraía pela curiosidade de algo proibido do que por sua filosofia de vida ou sua paisagem. O Secretário Geral do Partido Comunista chinês e eterno líder da República Popular da China (1949-1976), Mao Tse Tung, esbanjava carisma, com suas normas de igualdade e tentativas de controle social, além de uma galopante revolução cultural.
Aquele americano, de quem não me recordo o nome, conseguiu usar a inteligência e acabou sendo convidado pelo próprio Mao Tsé Tung a visitar o país. Ele fez algo por demais elementar, para cair nas graças do grande Secretário chinês. Algo estratégico, que atingiu em cheio o seu objetivo, que era conhecer a China.
Um dia, o nosso americano mergulhava em suas pesquisas quando descobriu que Mao era poeta, gostava de escrever sobre as belíssimas paisagens da China, dentre outros temas (veja 3 poemas de Mao adiante). Era um homem sentimental, apreciador da natureza. Foi aí que veio o estalo, com a mesma intensidade com que nascem as grandes idéias. O americano viu-se diante da oportunidade de seus sonhos. Sem perder tempo, leu e releu os poemas, para sentir a essência de suas mensagens. Começou então a redigir uma carta para o Secretário comunista, para pedir-lhe permissão para conhecer o país. Uma carta que teria aquela mesma linguagem, a mesma cadência, os mesmos anseios, o mesmo desejo de estar diante das paisagens que inspiraram o chinês, apelando para o seu mesmo estilo literário.
O calejado Mao Tse Tung emocionou-se com o pedido, com a forma com que fora escrito, sem dar-se conta de que a simpatia que brotara nada mais era do que uma estratégia de marketing para convencê-lo a comprar a ideia de uma visita ao país que ele tanto exaltava.
Daquele episódio uma lição foi extraída, que pode ajudar muita gente no dia-a-dia profissional: devemos escrever sempre com os olhos de quem vai nos ler. Aquele que só escreve para si, lê apenas o que escreve, esquecendo-se do entorno que também produz boas safras.
Na publicidade, muitas vezes o cliente quer ver uma campanha que traduza os seus próprios sentimentos, e isso não estará nos livros folheados em uma faculdade. Como disse o jornalista Joelmir Beting, “na prática a teoria é outra”. Pergunte ao seu cliente qual a sua cor preferida. Parece uma pergunta boba, mas aquela cor poderá ser o pontapé de uma grande campanha promocional. Agora, depois de deliciar-se com os poemas de Mao, o que você diria em uma carta para conquistá-lo?
Três poemas de Mao Tse Tung
I
Alto é o céu, adejam nuvens,
Vejo patos selvagens buscando o Sul para além do horizonte.
Conto nos dedos: 20.000 li de distância;
E dito para mim que não seremos herois se não atingirmos a Grande Muralha.
Agora, de pé, no pico mais elevado das Seis Montanhas,
O pavilhão ondulando ao vento ocidental,
Com esta longa corda nas mãos,
Pergunto-me quando será que amarraremos o monstro.
II
No Exército Vermelho não havia ninguém que receasse as misérias da Longa Caminhada.
Olhávamos com desprezo os milhares de picos, as dezenas de milhares de rios,
As Cinco Montanhas erguiam-se e tombavam como vagas que ondulam,
Os montes de Wuliang não passam de pequenos seixos verdes.
Quentes eram os precipícios abruptos quando o Dourado Rio de Areia corria pelo alto.
Frias eram as pontes de corrente de ferro que pendiam sobre o Rio Tati.
Nas mil extensões nevadas da Montanha Min, felizes,
Vencido o último desfiladeiro, os Três Exércitos sorriem.
III
A paisagem do Norte está completamente
Envolvida por uma camada de mil li de gelo
E dez mil li de turbilhões de neve.
Olhem de ambos os lados da Grande Muralha...
Agora só resta uma desolação imensa.
Nas calhas superiores e inferiores do Rio Amarelo
Não se pode mais ver correndo a água.
As montanhas são serpentes prateados que dançam,
As colinas, elefantes que brilham ao longo da planície.
Anseio bater-me com os céus.
Na estação clara
A terra se mostra encantadora.
Moça de rosto queimado e vestes brancas,
Tal é o encanto dessas montanhas e desses rios.
Que incita inúmeros heróis a se baterem entre si pelo prazer de seguir em seu enlaço.
Os Imperadores Shi Huang e Wu Ti eram quase ignorantes,
Os Imperadores Tai Tsung e Tai Tsu não eram homens de sensibilidade,
Gengis Cã sabia apenas retesar seu arco em direção das águias,
Tudo isso faz parte do passado - agora somente há homens de coração.