Quando entrou em conflito direto com o Governo, prevendo a instalação da República e tornando-se abolicionista, o jornalista e professor Davi Caldas, nascido em Barras (PI) em 1836, fez-se inimigo da igreja, grande aliada do Estado, e como tal foi considerado oficialmente ateu.
Por força daquela imposta condição, o seu corpo foi enterrado do lado de fora, em frente ao portão principal do Cemitério São José, no dia 3 de janeiro de 1878, junto com outros protestantes. Pouco mais de 50 anos depois, os seus restos foram transferidos para dentro do cemitério, levando junto uma era de discriminações que imperavam na história piauiense.
Na verdade, eram dois cemitérios. O primeiro teve a sua construção iniciada em 1852 e concluída 3 anos depois, consolidando-se em 1859 com a inauguração da Capela e de um jardim à sua volta. Ali se enterravam os ricos e crentes em Deus.
O segundo cemitério, um pouco mais para os fundos, foi inaugurado em 1883 e servia para enterrar os pobres, os que morriam por doenças endêmicas, os suicidas e os descrentes. Em 1938, o velho e o novo formaram o Cemitério São José, que hoje possui aproximadamente 15 mil sepulturas em 60 mil metros quadrados de área. Uma delas, a do motorista Gregório Pereira dos Santos, dispensa qualquer busca, porque não há quem não saiba aonde fica.
“É aquela azul, ali perto do poste”, confirma-se com qualquer um que esteja por perto.
Gregório era um nome comum, até o dia 14 de outubro de 1927, quando chegou em Barras a serviço. Por uma dessas fatalidades da vida, o motorista atropelou o filho do tenente Florentino Cardoso, Delegado Especial de Polícia daquela cidade. Ao contrário de Gregório, homem pacato e profissional cuidadoso, Florentino era conhecido por sua violência e arbitrariedade. Prendeu o motorista, deixou-o sem beber ou comer e, com o falecimento do filho dois dias após o acidente, trouxe-o acorrentado para Teresina, amarrou-o a uma árvore às margens do rio Poti e no dia 17 de outubro assassinou-o com 3 tiros na cabeça, sem ouvir as súplicas de quem estava apavorado, faminto e sedento. Em nome de Gregório foi erigido um monumento na Avenida Marechal Castelo Branco, próximo à árvore onde foi assassinado.
Visitar o Cemitério São José é estar preparado para percorrer anos de história, conhecer figuras lendárias e se maravilhar com os detalhes arquitetônicos e obras esculturais.
Em todo o mundo, viajantes aproveitam para conhecer o túmulo de seus ídolos. É comum depositarem flores para John Lennon, Elvis Presley, Raul Seixas ou Airton Senna. Em Teresina, essa prática parece não existir, mas vale a pena aproveitar um tempo para peregrinar pelos túmulos do primeiro cemitério da capital.
O de maior imponência artística, sem dúvidas, é o do ex Governador Eurípedes de Aguiar, que faleceu em 1953, aos 73 anos de idade. Outro igualmente bem expresso é o de Jacob Manoel D’Almendra, Comendador da Ordem de Cristo e Comandante da Guarda Nacional de Campo Maior, que faleceu em 1861, aos 33 anos de idade, sendo um dos túmulos mais antigos do cemitério. Curioso é o túmulo coletivo das Irmãs Catarinas, algumas delas italianas, que chegaram ao Piauí no começo do século e fundaram o tradicional Colégio das Irmãs.
O poeta, músico e compositor Torquato Neto também está no São José, no mesmo espaço de sua mãe, Salomé Araújo Nunes. Torquato cometeu suicídio no Rio de Janeiro, no dia 10 de novembro de 1972, e seu túmulo de mármore está localizado no lado sul do cemitério, próximo ao muro frontal.
Jazem ainda no São José o Desembargador Crommwell de Carvalho, que emprestou o nome à biblioteca pública do Estado, o professor e historiador Odilon Nunes, o ex Governador Leônidas Melo e a figura lendária de Zezé Leão, que viveu na primeira metade deste século, tendo sido assassinado pela Polícia em 1956, aos 55 anos de idade.
Curioso é o fato de os muros do cemitério também abrigarem os restos mortais de muita gente. Nos largos paredões estão famílias como a Cruz Martins Santos, de origem portuguesa, que representou um núcleo de poder no Estado através da Casa Cruz e do Barão de Urussuhy, que faleceu em 1896, aos 55 anos de idade.
No meio da via principal que dá acesso à Capela existe um sino, pendurado em um arco branco. Em dias de finado ou em enterros, os que por ali passam dão uma badalada, representando comunicação espiritual com os mortos. Ao visitar o cemitério, lembre-se disso: ele é o único destino certo de onde um dia todos estaremos aguardando o sino dobrar por nós.