“É só você ler Rilke que você aprende a viver com a solidão. Para um escritor é fundamental”.
Essa frase é de Assis Brasil, respondendo à pergunta da jornalista Samária Andrade se ele se sente só (revista Revestrés, #01, fevereiro de 2012). Com exatas 131 obras publicadas, o fenomenal escritor sabe lidar bem com a solidão e se define “sem filhos, sem família”, mas eternamente apegado à literatura (outra frase dele: “sou como Kafka: minha família é a literatura”).
Não ouso contar nos dedos a quantidade de personagens que a extensa obra de Assis criou. Ainda assim, ele é um homem solitário. Talvez o seja para a sociedade, porque mora só, mas não aparenta ser quando se entretém com os seus romances. Quando escreve, o escritor transporta-se para um mundo mágico. Conduz a sua história com muito esforço, para não deixar que os personagens a dominem e acabem por dar um sentido completamente alheio ao pretendido, o que não é difícil de acontecer.
Mas, no fundo, o escritor vê-se sem companhias diante da história. É ele e o computador (no caso de Assis, uma Olivetti). Nada mais. Por isso, o escritor é um solitário. Nem dividir com algum amigo o seu enredo ele se atreve, porque a história só tem sentido quando a escreve, quando interage com os personagens, tramando um enredo capaz de conquistar o leitor.
Até quando lê, o escritor mergulha no fascinante mundo do texto, numa caminhada sem companhia. O ato de estar diante da história é sublime; é ausência dos conflitos da vida cotidiana; é praticamente uma submissão estratégica, porque nada desviará a atenção do enredo, a não ser a prazerosa busca pelos tortuosos caminhos da pesquisa. Assis afirma que uma das poucas vezes em que precisou de um computador foi para fazer uma busca na Internet, e as datas estavam todas erradas. É um escritor que ainda não se entregou à modernidade, um “amante à moda antiga, do tipo que ainda manda flores”, como cantou Roberto Carlos.
Por isso, se a solidão apertar, faça como o escritor Assis Brasil: leia Rilke – fundamental para lidar com a solidão não apenas do ato de escrever, mas daquela a que estamos todos habituados a encarar: a solidão de estar diante de nós mesmos. Como aconselhou Rilke:
“O senhor envia os seus versos às revistas literárias, compara-os com outros versos, e sente-se inquieto quando algumas redações recusam os seus ensaios poéticos. Pois bem, já que me permite aconselhá-lo, devo exortá-lo a renunciar a tudo isso. O senhor está olhando para fora, e é justamente isso o que não deveria fazer neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar. Ninguém... Não há senão um caminho: procure entrar em si mesmo” (“Cartas a um jovem poeta”, primeira carta, de 7 de fevereiro de 1903).
Vejam o poema “Solidão”, de Rainer Maria Rilke:
A solidão é como uma chuva.
Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.
Cai como chuva nas horas ambíguas,
quando todas as vielas se voltam para a manhã
e quando os corpos, que nada encontraram,
desiludidos e tristes se separam;
e quando aqueles que se odeiam
têm de dormir juntos na mesma cama:
então, a solidão vai com os rios...
(Rainer Maria Rilke, in "O Livro das Imagens" .
Tradução de Maria João Costa Pereira).