SACIÓLOGOS DO PIAUÍ, UNI-VOS!
Edmílson Caminha
Uma das mais respeitáveis instituições no Brasil de hoje é, sem dúvida, a SOSACI - Sociedade dos Observadores de Saci. Não tem força política nem poder econômico, daí a importância de que se reveste. Os associados, entre os quais honrosamente me incluo, não estão sujeitos a mandados de busca e apreensão, escutas telefônicas, pagamento de subornos, habeas corpus do Supremo e CPIs do Congresso. São, apenas admiradores do Saci, figura que marcou a nossa infância e perturbou os sonhos dos mais medrosos. Há quem jure que já viu um, o que é muito mais fácil de provar do que a inexistência do Mensalão.
Patrono de uma nobre e ilustrada ciência, a saciologia, o nosso moleque de uma perna só inspirou uma justa campanha: oficializar o 31 de outubro como Dia Nacional do Saci, para que de uma vez por todas deixemos de comemorar, em território brasileiro, esse tal de halloween... Sem contar que 31 de outubro foi o dia em que nasceu Drummond, poeta que, com certeza, acreditava no Saci, e talvez o tenha visto, a perambular pelas veredas de Itabira, a recitar baixinho: “No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho”...
Ainda que não de direito, há muitos piauienses que já são saciólogos de fato: Cineas Santos, Eneas Barros, Washington Ramos, João Cláudio Moreno, Paulo José Cunha, William Soares, Paulo Machado, Genuíno Sales, João de Deus Netto, Douglas Machado... E alguns, até, na condição póstuma, como Fontes Ibiapina e H. Dobal... Conclamo, então, os prezados articulistas e leitores do piaui.com.br: visitem a página eletrônica da Sociedade dos Observadores de Saci: www.sosaci.org Associem-se, subscrevam a campanha, comprem os produtos da griffe e contem histórias sobre o perneta. Eu já escrevi a minha, que segue abaixo:
O SACI QUE ERA UM ANJO
No lusco-fusco, aquela hora em que o dia vai deixando de ser dia e a noite ainda não é mesmo noite, Coriolano dirige seu caminhão pela estrada de terra, com uma carga de rapadura. Quando quebra à esquerda na Volta da Jumenta, dá em cima de um negrinho a pular numa perna só, de gorro vermelho e o fogo do cachimbo a pisca-piscar como vagalume. Pra não atropelar a criatura, mal consegue desfazer a curva e jogar o fordeco pra fora do caminho, com o que chove rapadura pra todo lado. Abre a porta e já desce soltando os cachorros:
— Seu moleque duma figa! Olhe só o que você fez! Quase que morro pra não passar por cima de você! E a rapadura que voou longe? Como é que eu vou fazer agora...?!
Meio assustado, o pretinho mal consegue falar:
— Me desculpe, meu senhor... Não foi por querer, não... Se o senhor quiser, eu desço a ribanceira pra juntar as rapaduras... Eu tava só cumprindo o meu dever...
— Cumprindo o seu dever?! Que dever, cabrito?!
— O dever de proteger o senhor...
— E quem disse que eu preciso de proteção?
— Precisa, sim! Sabe por que é que eu obriguei o senhor a parar? A ponte de madeira, ali na frente, foi-se embora com a enxurrada. No escuro, o senhor ia despencar direto numa ribanceira que não tem tamanho... E aí, adeus chofer, caminhão e rapadura!
Que história mais esquisita... Desconfiado, Coriolano se cala pra melhor escutar:
— O senhor se lembra quando era menino, e quase que morre afogado tomando banho no Rio Jaguaribe? Só se salvou porque eu botei na correnteza aquele tronco de bananeira, que o senhor agarrou quando faltava pouco pra desaparecer no redemunho...
O homem se assusta: pois não é que tinha acontecido mesmo, há tanto tempo que já tinha até esquecido...?
— E daquela outra vez, quando o ônibus de Aracati bateu numa carreta e não escapou ninguém? O senhor só não morreu porque ficou procurando a mala, e acabou perdendo a viagem. Pois fui eu que escondi ela, pra livrar o senhor do acidente...
Aí Coriolano esbugalha os olhos: o diabo da mala tinha realmente desaparecido, foi achá-la debaixo de um banco, sem que ninguém soubesse quem a metera lá. Quando a encontrou, já era tarde: Tião Motorista não esperava por ninguém. Coitado, foi o primeiro a morrer, quando a jamanta entrou na contramão e pegou o ônibus de frente.
Era tudo verdade, pensa Coriolano, engolindo em seco. E aproveita pra tirar uma dúvida:
— Tá certo, naquelas duas vezes - e agora, quando não me deixou cair no buraco da ponte - você salvou mesmo a minha vida, e eu lhe agradeço por isso. Mas me diga uma coisa: ONDE É QUE TU TAVA, SACI, QUANDO O PADRE ME CASOU COM A RAIMUNDINHA???!!!