O saudoso comandante Rolim Amaro, diretor presidente da companhia aérea TAM, deixou um manual de regras a serem seguidas pelos seus funcionários, como máxima de sua visão gerencial sobre atendimento. Diz o manual em sua primeira página: “Regra número 1: O cliente sempre tem razão. Regra número 2: Se alguma vez o cliente estiver errado, releia a regra número 1”.
O desenvolvimento do marketing sobre administração das empresas tem conduzido o relacionamento com os clientes através de mundos cada vez mais obscuros. Exatamente isso: obscuros! Há sempre mecanismos de “bastidores” que encobrem os interesses subjetivos que se manifestam no marketing das empresas e nas formas de consumo.
Por décadas acreditaram os marketeiros que o investimento ideal teria foco no produto. Procurava-se apresentar uma boa embalagem e um artigo de consumo luxuoso ou com elementos que chamassem a atenção para o “glamour” de seus detalhes, de seus componentes ou de outros elementos que acompanhassem o seu uso. Investia-se no marketing dos quatro pés, com o pê de “produto”.
Novas avaliações de mercado levaram os marketeiros a perceber, que, mais importante que o produto é o cliente. É ele quem deve ser o foco comercial. Por isso foi preciso penetrar o pensamento do consumidor e descobrir os seus costumes, os seus gostos específicos, para criar produtos que atendessem a essa demanda ávida por identificar-se com as suas necessidades de compra. O cliente passava à condição de “rei”, levando à popularização de chavões como “o cliente sempre tem razão”.
É nessa fogueira das novas formas de consumo que o manual do comandante Rolim alerta para a importância de não esquecermos que o cliente é o centro de tudo; é ele quem paga as contas e os salários. Mas ao observar-se o comportamento de consumo de certos clientes, nas mais diversas situações, percebe-se que a regra não pode ser rígida. Há clientes de todos os tipos, claro, e cada situação deve ser conduzida de forma a não afetar aquele relacionamento comercial, nem que para isso tenha a empresa que “engolir sapos”. Há clientes elegantes, chatos, esbanjadores, pechincheiros, exigentes, honestos, justos, discretos etc. Mas, nesse mesmo foco, há também clientes que fariam um enorme bem à empresa se não freqüentassem os seus estabelecimentos. Um cliente ruim contagia, desestimula, incompreende e é capaz de trazer prejuízos graves, ainda que consumindo e pagando normalmente as suas despesas.
As empresas que vendem serviços possivelmente são as que mais sofrem com clientes problemáticos. O serviço é uma atividade lúdica, não é medido em metros ou em quilos, mas em satisfações subjetivas, pois certamente mexe com as emoções e os sentimentos. Quem vende serviço tem uma enorme dificuldade em agradar, porque a sua oferta depende de terceiros, ou em vendas ou na execução do próprio serviço. Quando o ser humano necessita de contato direto com outro ser humano para realizar uma função profissional, é problema à vista.
Os serviços oferecidos em restaurantes, por exemplo, se encaixam bem no argumento de que o “cliente rei” não pode se isolar como regra. É preciso acrescentar um fato novo à afirmação de que “o cliente sempre tem razão”. Trata-se do profissionalismo estabelecido por um conceito de empresa que está dedicando-se à prestação de um bom serviço, mas que enfrenta clientes comprometedores que não merecem o título de “rei”, deixando cair o cetro, o manto e a coroa como consumidor.
A regra número 2 do comandante Rolim deveria ser revista. Se alguma vez o cliente estiver errado, é preciso encarar o erro do cliente e fazê-lo perceber que em uma relação comercial há um sistema de troca em que a satisfação do cliente não deve ser vista apenas como resultado do seu pagamento. Muitos chegam a argumentar que estão pagando caro por determinado serviço, mas é preciso lembrar que o pagamento está justificando um serviço recebido. Se o cliente por acaso acha o preço um diferencial para criticar o serviço, ele tem o livre arbítrio de não consumi-lo e procurar outro empreendimento que ofereça serviços similares.
Há, por exemplo, clientes que criticam o preço de uma garrafa de vinho em um restaurante, comparando-o com o preço do mesmo vinho no supermercado. Se fosse para pagar o mesmo valor de compra, não haveria necessidade de o cliente se deslocar a um restaurante. Poderia degustar o seu vinho, comprado no supermercado, no quintal de sua casa. Quando aquele vinho chega à mesa de um restaurante, inúmeros processos acompanharam a sua trajetória, para incorporarem-se ao preço e fazê-lo chegar diferente à mesa. No instante do consumo, o cliente “que nem sempre tem razão” não observa os serviços que estão embutidos no preço final, como transporte, armazenagem, refrigeração, manuseio, pessoal qualificado, atendimento, taças e materiais especiais, decoração do ambiente, higiene e outros serviços pouco perceptíveis. Fica a pergunta: o cliente sempre tem razão?
As empresas que implantam empreendimentos com conceitos definidos ressentem-se de consumidores capazes de discernir os seus esforços em oferecer um bom serviço ou um bom produto. O consumidor ideal é aquele que sai de casa para comer fora e não se preocupa apenas com o quanto vai gastar no final da noite, mas também com a qualidade do que vai consumir e do ambiente em que está consumindo. Do contrário, estará fadado a concordar que um prato oferecido em mercados públicos deve ter o mesmo preço em qualquer outro local. A máxima de que o cliente sempre tem razão deve ser revista, adaptando-se ao esforço que muitos empresários vêm gastando para oferecer um serviço ou produto de qualidade.
É válido fechar com a seguinte observação: “Regra número 1: o cliente sempre tem razão. Regra número 2: se alguma vez o cliente estiver errado, use o bom senso para convencê-lo do erro".