A prematura morte de Meton Filho me trouxe, além da tristeza, a oportunidade de levantar para mim mesmo questionamentos do fundo da minha incompreensão. Esse lamentável acontecimento me fez refletir sobre posturas coletivas em sociedade, especialmente aquelas que emanam do seio da religião, implantando uma ideologia dominante que ao longo dos anos vem se firmando ora pela força, ora pelo convencimento, ora pelo medo. Possivelmente muitos não haverão de compartilhar comigo do teor dessa crônica, mas pelo menos tenho a certeza de que a liberdade de expressão ainda é o maior trunfo de nossa sociedade.
Amanheci naquele domingo ansioso por notícias sobre a morte do promotor José Meton Filho, um amigo distante com quem eu não tinha nem tive grande aproximação. Nas raras vezes em que nos encontramos, pude perceber um homem íntegro, de fala adequada e olhar expressivamente solidário. Parecia ser firme e convicto de suas opiniões e sabia escutar – fato cada vez mais raro em uma sociedade individualista e exclusivista.
Enquanto estou à cata de notícias, eis que surge um repórter na TV e me vem com a seguinte frase, ao comentar a incompreensível morte de Meton Filho: “Deus gosta de estar ao lado dos bons”. Fiquei matutando... matutando... Faz sentido uma frase dessa? – me perguntei.
Coincidentemente, Meton Filho morreu no dia 13 de março – dia em que se comemora o aniversário da Batalha do Jenipapo. A revista Cidadeverde também foi lançada nesse dia, trazendo aos teresinenses o otimismo de seu Presidente Jesus Tajra Filho. Nesse número, deparo-me com um artigo do padre Tony Batista, sobre a alegria dos cristãos. Diz ele que difícil é ser alegre “quando a cruz faz calo no nosso ombro, quando a lágrima sangra abundantemente dos nossos olhos, ou quando a solidão se instala no mais profundo da nossa alma”. E orienta os cristãos a mergulharem na intimidade de Deus: “apesar dos sofrimentos da vida, nada e ninguém poderá nos fazer tristes, uma vez que o Senhor é a razão da nossa alegria”.
Em meio a essa súplica de padre Tony foi-se José Meton Filho, em plena, digamos assim, flor da idade (43 anos). Que argumentos teremos aos seus familiares e aos mais próximos e até aos que o conheciam de longe, para justificar uma morte tão súbita? “Os desígnios de Deus são incompreensíveis”, dirão uns; “Deus gosta de estar ao lado dos bons”, dirão outros. Penso que nenhum argumento jamais haverá de justificar uma morte prematura, desprovida do cansaço físico que se incorpora à velhice e dá sinais ao corpo de que o seu tempo está minguando. Meton Filho estava em ascensão plena, crescendo socialmente, destacando-se profissionalmente, marcando com dignidade o seu nome no meio jurídico. Terá sido realmente Deus que o chamou? Foi Ele que quis assim? Por que simplesmente ninguém há de entender os Seus desígnios? Não quero crer em respostas positivas a esses questionamentos. Em nome de Deus se fazem e se desfazem valores, vidas, relações. Outros dirão: “o dia dele chegou”, como se cada um de nós tivesse um dia a mais ou a menos, sendo por isso alguns merecedores de maior tempo de vida e outros não. Há certa presunção divina presente em explicações desde o nascimento (com o batismo) à morte (pelos desígnios incompreendidos). Se Deus quer estar ao lado dos bons, porque não os deixa viver? Continuo me questionando: por que Meton Filho morreu? Infelizmente, não creio em explicações divinas. Creio na ciência: um infarto fulminante lhe tirou a vida; um coração aparentemente saudável pedia socorro silenciosamente, sem dar sinais de que não ia bem. Nada mais.
Outro dia encontrei uma senhora que se vangloriava de que Deus estava ao seu lado quando escapou de um acidente de ônibus. E os demais passageiros que não tiveram a mesma sorte? Foram eles menos merecedores da proteção divina? Era o dia deles, mas não era o dela, como querem outros mais? Quando 3 sequestradores do fatídico 11 de setembro, no avião que caiu na Pensilvânia, pediam para morrer em nome de Deus, todos os demais passageiros pediam para viver em nome d’Ele. Na luta pela vida e pela morte não há vencedores, mas apenas a dor e a incompreensão.
Não encontrei no velório nem no cortejo nem sobre a sepultura de Meton Filho pessoas que pudessem filtrar a tristeza, como sugere padre Tony, para dar lugar à alegria em um momento como aquele. Os desígnios de Deus são incompreensíveis, para muitos, porque na verdade não há explicação para a morte. Ainda que queiramos a vida eterna, prolongando-a sempre e cada vez mais, todos haveremos de morrer um dia. Só não há explicação, repito, para uma pessoa deixar esse mundo ainda cheia de esplendor, de vontade de viver, de vigor humano, de boas relações. Assim não é justo, como não é justo irem-se amigos e entes queridos que nos são caros e com os quais queremos maior convivência, morrendo no auge da vida. Fora de uma explicação científica, médica, lógica, que nos faça refletir sobre a vida, o resto é apenas conforto que muitos buscam para suportar a essência humana.