Simplício Dias da Silva, também conhecido por Simplição, era filho do português Domingos Dias da Silva, que chegou em Parnaíba no século XVIII, atraído pela riqueza da região. As suas charqueadas ficaram famosas, e o Porto das Barcas, atual ponto de atração cultural da cidade, deu origem ao surgimento de Parnaíba. Os seus armazéns, que abrigavam os produtos de importação e exportação, movimentavam a economia e ligavam o litoral piauiense ao resto do mundo. Em meio a escravos, produção de riquezas, tragédias e revoluções explosivas a família de Simplício Dias da Silva ia se perpetuando e se firmando para a história.
Na rua Grande, atual avenida Getúlio Vargas, no centro de Parnaíba, está o sobrado onde morou Simplício, exatamente ao lado do hotel Delta. Em sua fachada observa-se um pequeno oratório, meio desgastado e esquecido entre as folhas dos oitizeiros, dos fios elétricos e do aparente desinteresse pela memória da cidade. Ao que se sabe, o oratório foi colocado na fachada do sobrado para reverenciar o irmão de Simplício, Raimundo Dias da Silva, assassinado aos 39 anos de idade. Quase 40 anos depois, outra tragédia abateu a filha de Simplício, Carolina Thomasia Dias da Silva, assassinada por um de seus escravos. As razões para o ato bárbaro são ainda sombrias, mas há quem afirme ter existido uma forte paixão do escravo assassino por Carolina. Em sua lápide, na Igreja de Nossa Senhora da Graça, está escrito: “sua preciosa vida foi ceifada por um famigerado monstro cruel”. Como fruto da vingança pelas próprias mãos, o escravo foi enforcado em praça pública, a mando dos familiares.
A vida em Parnaíba, na época de Simplício, era de fartura, ostentação e riqueza. Comia-se bem, exibia-se os dotes com pompa e requinte, mas também promovia-se muito sacrifício e crueldade. Segundo informações de Giovanni Barros, entusiasta e pesquisador da história de Parnaíba, uma antiga reforma na igreja do Rosário desenterrou uma dessas faces do horror: foram encontrados os ossos de uma pessoa acorrentada, que se supõe sejam de um escravo ou talvez de um criminoso condenado. Supõe-se, até, que o corpo tenha sido enterrado vivo!...
“Muitas outras ossadas foram ali encontradas, não se sabe se pelo mesmo motivo ou por se tratar de um cemitério”, afirma o pesquisador.
Outro fato curioso é o da existência de um túnel na igreja de Nossa Senhora da Graça, onde eram colocados pelos fiéis os objetos e valores doados à igreja por ocasião das missas. O túnel ainda existe, mas não se consegue chegar ao seu final e pouco se sabe dos destinos das doações. Segundo as anotações de Giovanni Barros, foi por interferência de Simplício Dias que se criou a Alfândega de Parnaíba, evitando a passagem dos produtos importados pela de São Luís. O coronel, como gostava de ser chamado, também foi agraciado pela realeza de Portugal, com o título de Fidalgo Cavalheiro da Casa Real, e recebeu o Hábito da Ordem de Cristo por suas ações filantrópicas desde quando era ainda jovem. O Imperador do Brasil, D. Pedro I, em razão da participação de Simplício no movimento pela independência do Piauí, condecorou-o com a Imperial Ordem do Cruzeiro e o nomeou primeiro Presidente da Província do Piauí.
“As lendas a seu respeito só apregoam o lado ruim do homem”, afirma o pesquisador. “Apontam-no como portador de conduta e caráter duvidosos, muito perverso, envolvido em atos de crueldades absurdos, impossíveis de acreditar”.
Uma dessas lendas conta que o coronel ordenou que fossem jogadas pessoas vivas às feras que mantinha num covil situado a poucos metros de onde morava. De outra vez, arrebatou uma criança dos braços de uma mulher que passava pela calçada de sua casa, ordenando a um escravo que a matasse, esquartejasse e a preparasse para o almoço. Outra lenda dá conta de que, em suas viagens pelo rio Parnaíba, a bordo de seus vapores, acostava nos lugarejos e recolhia dos produtores e comerciantes aquilo do seu interesse, coagindo-os a que lhe vendessem a preço vil. O imaginário popular registra ainda que o coronel foi grande assediador de mulheres habitantes dos lugares por onde passava, forçando-as a atos sexuais. Outra lenda conta que ele mandou revestir o piso do salão principal de seu solar com moedas de ouro. As lendas em torno de seu nome não param por aí. Diz uma outra que o seu corpo a terra não destruiu; posto a queimar, o fogo não consumiu; jogado no mato, apareceu no local um cupinzeiro enorme, o maior que já se viu por lá, tendo virado cupim.
“São coisas da imaginação popular, partidas não se sabe de quem, atingindo em cheio e de forma deprimente a figura do homem mais rico e poderoso que viveu na Parnaíba do final do século XVIII até princípios do século XIX”, concluiu Giovanni Barros.
Os túmulos de Domingos Dias da Silva (pai), Raimundo Dias da Silva (irmão) e Simplício Dias da Silva estão no piso da igreja de Nossa Senhora da Graça, ao lado do altar do Santíssimo Sacramento. Na mesma igreja estão outros nobres que fizeram a história de Parnaíba. Quem quiser conferir, é só chegar, ajoelhar e manter a homenagem guardada no peito, para garantir a preservação da memória de Parnaíba.