Tradicionalmente, os dias do mês de junho são dedicados aos festejos dos santos Antonio, João e Pedro. Tradicionalmente, também, esse período é invadido por fogueiras nas portas ou nos quintais das casas, bombas e traques, foguetes e muita comilança. Dizem os mais entendidos que a fogueira representa uma forma de destacar o fogo que aquecerá o inverno que se inicia oficialmente no dia 21 de junho, no hemisfério sul.
Em meio a essa parafernália de situações juninas está a quadrilha, uma dança popular que se consolidou no Brasil, proveniente de mares desconhecidos. Dizem outros igualmente entendidos que a quadrilha chegou ao Brasil importada da França, uma dança de salão aos pares, muito comum nos largos, elegantes e imponentes salões da corte francesa. Outros tantos afirmam que a quadrilha foi introduzida no Brasil no século de XIX, com a vinda da Corte Real Portuguesa e com as várias missões culturais francesas que estiveram no país na mesma época. Acabou por se consolidar, mas não sem antes outro grupo de pensadores e estudiosas afirmar que esta nasceu na Inglaterra, por volta dos séculos XIII e XIV, tendo surgido como dança popular, executada pelos que trabalhavam no campo. Uma dança camponesa, por assim dizer, rural, da roça, caipira mesmo. A quadrilha foi tomando corpo, até que criaram um casamento, para gerar mais expectativas à plateia e ânimo aos seus integrantes. Como o dia 13 de junho é do santo casamenteiro Antonio, que abre oficialmente os festejos juninos, nada mais justo do que incorporar à tradição das quadrilhas um casamento, um casamento na roça, melhor expressando.
Durante muitos anos, as festas juninas trouxeram para as ruas as quadrilhas com suas farturas, além do bumba-meu-boi e do enaltecido desejo de uma mulher grávida pela língua do boi mais formoso da fazenda. Mas o casamento é, na verdade, o ponto alto da quadrilha. Em tempos levemente mais antigos, digamos há 40 ou 50 anos, as quadrilhas tinham uma característica bem diferente do que hoje se observa nos festivais oficiais, como o Encontro Nacional de Folguedos, promovido pela Fundação Cultural do Piauí. Perdoem-me a sinceridade, mas preciso perguntar: onde está a originalidade que fez surgir uma manifestação popular intensa e se consolidou como dança da roça?
Sem importar de onde seja a real origem da dança aos pares, que infectou a cultura brasileira, o fato é que a quadrilha junina era representada por figurantes que se vestiam da forma mais cabocla possível, cada um ao seu jeito, exatamente para representar a essência de uma dança que provinha da roça, do interior brabo, tendo como personagem principal um sertanejo de vida nada fácil. Gente de todas as idades separavam as suas roupas mais antigas, pregavam remendos e faziam uma trouxa de pano que amarravam em um pau para representar os retirantes. As crianças pintavam bigodes e costeletas com carvão, como se a invadir o mundo adulto em busca de sua originalidade roceira. Aos pés metiam sandálias de couro e saíam a dançar com seus pares, deixando a quadrilha enriquecida exatamente pela peculiar forma que cada um procurava encenar o seu figurino. E viva os noivos!
As quadrilhas oficiais, dessas que estão no palco para alcançar uma colocação elevada no pedestal da fama, se assemelham em muito a alas de uma Escola de Samba, onde todos vestem o mesmo desenho e o casal de noivos mais parece um casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeiras., com indumentárias luxuosas, saias bem rodadas e cetros à mão.
Cá de minha parte, confesso que estou desapontado com o que vejo nos palcos oficiais: um estímulo à descaracterização de uma dança popular e – o que é bem pior – uma forte influência na captação de adeptos que se entusiasmam a cada ano. Até as cantigas mudaram, observando-se um compasso mais para a baianada ou a forrozada do que para os acordes que Luiz Gonzaga enalteceu por toda a vida.
Perdoem-me novamente a sinceridade, mas não consigo me entusiasmar com essa catequese oficial. Prefiro me restringir às guloseimas, que pelo menos até agora pouco foram atingidas pela tirania da modernidade dos costumes.