Preciso confessar uma coisa. Quando conversei com um amigo próximo sobre o que estou prestes a revelar, ele comentou: “isso está me cheirando a paranóia!”. Fiquei matutando e concluí que é isso mesmo: estou ficando paranóico e não sabia.
Por alguns atos simples, no dia-a-dia de minha vida quase rotineira, estou carregando todos os sintomas de quem está se transformando em um paranóico profissional. Veja bem. Todos os dias, seja que horas for, antes de sair de casa me habituei a certos movimentos repetitivos, cheios de artimanhas e impossíveis de deixar pistas visíveis. Antes de fechar a porta do escritório, copio meus arquivos em um Pendrive, guardo-os cuidadosamente, escondo meu Notebook, o gravador e alguns outros eletrônicos do meu dia-a-dia profissional. Fico a imaginar quais dos bens que compõem o meu escritório um assaltante poderia simpatizar, e fico a procurar locais de difícil acesso, que não deixem pistas, entrando em um ritual que tem sido uma repetição diária, quase horária.
Percebi que não tenho sossego em casa, que não posso abrir as portas nem as janelas, que não consigo escrever às 3 da manhã com a janela aberta, com receios de que alguém me surpreenda e invada a intimidade do meu lar, ameaçando minha família. Antes de sair de casa, olho para a janela do escritório, certifico-me de que está fechada, vasculho o ambiente em busca de pistas que eu possa ter deixado e tranco-o, levando a chave comigo. Nem cadeiras no terraço me permito, com receios das surpresas de um assalto. Aliás, os assaltos, nos bons tempos de meu avô, ocorriam apenas na madrugada. Hoje, não existe hora para a bandidagem se manifestar.
Saudoso o tempo em que conversávamos na calçada, na porta das casas, com cadeiras de balanço a observar o movimento das ruas. Os muros estão cada vez mais altos e cercados por eletricidade e outras gambiarras para impedir invasões. Perto da minha casa há uma pracinha muito bem cuidada, jardins bonitos e floridos, luminárias em formato de lampiões, que tornam o ambiente aconchegante. Nunca me dei ao luxo de freqüentá-la e nem consigo ver outras pessoas o fazendo. Não há casais de namorados, babás com carrinhos, crianças de bicicleta ou a garotada correndo livre. As ruas estão silenciosas; as praças vazias.
Antigamente, saíamos a pé para comprar o pão a duas quadras ou ir à feira cedinho da manhã. Quem se atreve a exibir tamanha facilidade? Até os que praticam Cooper, que nada levam, a não ser roupas leves, estão livres da ação dos marginais. Observa-se pelos semblantes a eterna incerteza sobre o dia que mais cedo ou mais tarde virá. O dia em que teremos à nossa cabeça uma arma de fogo ou uma faca a nos pressionar a vida por um celular, ou uma carteira de conteúdo desconhecido ao desejo do bandido.
Outro dia, ao procurar um endereço em um bairro, não consegui encontrar pessoas na rua para me prestarem informações. Ninguém mais sai de casa. A minha rua é um deserto. Nem carros se atrevem a permanecer no acostamento ou bicicletas nas calçadas. Somos prisioneiros de nós mesmos, criando manias que nos levam à paranóia inconsciente. Não sei a quê isso nos levará em futuro próximo, mas sei que não há pistas de que o sossego esteja voltando aos lares. Só nos resta esperar, torcendo para que não sejamos mais uma vítima da criminalidade crescente. Se Ubaldo, personagem da criação imortal de Henfil, vivesse nos dias de hoje, a sua paranóia teria muito mais razões do que os receios da volta da ditadura militar.