O professor Washington Ramos, colunista de Literatura do portal Piauí, fez uma análise crítica do livro "O Monge do Hotel Bela Vista", de Edmílson Caminha. Sob o título "Rosa cheirava?", numa alusão ao escritor Guimarães Rosa, o artigo do professor provocou uma resposta do autor do livro, que vai abaixo transcrita:
"Caro Professor,
Como já disse a Eneas, seu admirável texto é o melhor que se escreveu sobre "O Monge", pela franqueza da opinião e pela profunda lucidez da crítica.
Quanto à "sinceridade epistolar", concordo com Você — não por coincidência, pus como uma das epígrafes a frase de Roger Martin du Gard: "Nada é mais mentiroso do que uma carta". Tendemos, ao escrever para os amigos, a amenizar-lhes os defeitos e aumentar-lhes as virtudes...
Pensei muito sobre se deveria publicar as referências villacianas à vida íntima de Rosa, Palmério e Virgílio de Melo Franco. Primeiro porque elas me foram feitas em caráter reservado, particular (tanto que Villaça não as tornou públicas em livro); segundo, para evitar que as famílias as recebessem como difamações ou afrontas. Temi, sim, que me pudessem mover um processo. "Deixa processar!" — é fácil dizer, quando não se pode ser a vítima de uma ação judicial, principalmente se excessiva e injusta. Para que Você faça idéia do problema, as filhas de Guimarães Rosa, Vilma e Agnes, e a Editora Nova Fronteira estão processando meu amigo Alaor Barbosa e a Editora LGE, de Brasília, que lhe publicou a biografia do romancista mineiro (obra, diga-se, altamente encomiástica, que por pouco não canoniza Rosa como santo). Tudo porque o autor não pediu às herdeiras que autorizassem a publicação... Os autores da demanda exigem a apreensão dos exemplares nas livrarias, o que representará a falência da editora.
Meu objetivo, como Você bem sabe, não foi polemizar nem fazer inconfidências, mas apenas partilhar com os amigos uma pequena homenagem ao grande memorialista que foi Villaça. Tanto que a edição é fora de comércio, com somente 200 exemplares, pagos do meu próprio bolso. Se a Época publicou cartas eróticas do romancista, se ele próprio expôs a intimidade no que escreveu, é porque chegaram à conclusão de que deviam (ou podiam) fazê-lo. Quanto a mim, achei que não devia me arriscar à acusação, que muito me desgostaria, de desrespeitoso e de maledicente, coisas que jamais fui nem serei.
Com relação ao fato de que a correspondência se encerrou em 1991, a 14 anos da morte de Villaça, explica-se: naquela época, meu amigo, antes muito lépido e vivaz, começou a passar por problemas de saúde, como a catarata que quase o impossibilitou de escrever e até de ler. Quando fez a cirurgia que lhe recuperou a visão, perdera já o gosto pela correspondência e mesmo pela vida literária. Isolou-se mais e mais no apartamento em que vivia na Praia do Flamengo (morava, realmente, na biblioteca do Pen Clube, do qual era vice-presidente). Nos últimos anos, passava horas e horas sentado em uma poltrona, a assistir às novelas da Globo (ele, o intelectual refinadíssimo que outrora não agüentaria aquela baboseira..!) Respeitei-lhe as limitações e as mudanças de gosto e evitava escrever-lhe, até para que não se sentisse na obrigação da resposta. Passamos a nos comunicar por telefone, mas muito pouco, devido à minha aversão por essa engenhoca de "vozes sem caras", como dizia Fernando Pessoa. Ligava-lhe, por exemplo, nas festas natalinas e no dia 31 de agosto, quando ele completava anos. E foi assim que pouco a pouco se fez silêncio sobre uma bela e enriquecedora amizade...
Obrigado, mais uma vez, pela honestidade das observações, atitude cada vez menos freqüente no meio da crítica literária".