Na calçada em frente à casa de Pebinha, na cidade de Picos, havia três cadeiras de espaguete, ocupadas por ele e por mais dois amigos, que atentos ouviam explicações sobre o passado do pai de um deles. Pebinha discorria sobre datas, pessoas de época e fatos há muito esquecidos. A sua memória era um privilégio. Pessoas vinham de longe para tirar dúvidas sobre suas famílias, o que fizeram, por onde andaram. A casa de Pebinha era bem frequentada e muitos o buscavam por um apelo à sua memória. Foi esta a cena que deparei, ao chegar para uma visita a pouco mais de um mês.
Eu fui uma dessas pessoas que esteve em sua companhia, muito recentemente. Irmão mais novo do escritor Fontes Ibiapina, Pebinha ou tio Cacá ou Antonio de Moura Ibiapina sorria sempre. Era um homem carinhoso e alegre. Exibia os olhos miúdos que por tantos anos se esconderam por detrás de espessas lentes e aros pretos. Nele se percebia uma expressão jovial, apesar dos seus quase 84 anos bem vividos. A cabeleira embranquecida, que outrora foi bem mais cheia, espalhava-se para trás da cabeça ovalada e desnudava uma coroinha. Contornava-lhe os lábios superiores um espesso bigode calejado pelo tempo, com pontas que caiam pelas laterais e marcavam-lhe o semblante.
Esse era Pebinha, querido por todos os que tiveram o prazer de sua convivência em Picos e seus arredores. Nascido na Fazenda Lagoa Grande em 1926, que pertenceu a seu pai Pedro de Moura Ibiapina, foi criança nos bons tempos em que o Piauí fartava-se de gado e cera de carnaúba. Cresceu com Fontes Ibiapina a fazer estripulias. Foi uma criança saudável, que viveu no conforto dos pais enquanto estes duraram. Constituiu família e soube usufruir do carinho que o cercava. Era considerado um grande poeta popular, que gostava de declamar versos, muitos dos quais de sua própria autoria.
Estive com tio Cacá para abusar de sua memória. Eu queria extrair dele toda a lembrança que fosse possível sobre o seu irmão Fontes Ibiapina, empenhado que estou em escrever a sua história. Fomos à Fazenda Vaca-Morta, onde ambos estudaram as primeiras letras, e depois passamos em frente à Fazenda Lagoa Grande, cuja casa principal havia sido demolida. Comemos galinha caipira juntos, na casa onde funcionou a Escolinha de tio Quincó. No caminho, lembrava-se de tudo e de todos, de datas e acontecimentos que tomavam vida por suas palavras. Com a voz rouca, não se cansava de contar histórias, de responder perguntas ou de relatar curiosidades que vivera, como ocorreu com as boiadas de Canapu, que passavam pela Lagoa Grande vindas de Goiás para Pernambuco.
Fiz muitas gravações com ele e trouxe para Teresina. Ao transcrevê-las, senti a necessidade de explorar mais ainda aquela mente privilegiada e marquei nova viagem a Picos, que ocorreria no dia 11 deste mês de setembro. Mas tio Cacá não resistiu. No amanhecer de 10 de setembro, sexta-feira, o seu coração parou. Calmo. Não resistiu à crueldade da velhice do corpo. Tombou um jequitibá. A memória de Picos, se não soube aproveitar um homem de lembranças vivas, agora se perdeu pela eternidade. Quem sabe ele já está ao lado de Fontes Ibiapina, contando como vivera o resto dos seus dias.