Dia desses, afirmei aqui: faltam doidos em Teresina e sobram loucos. Citei alguns dos doidos de carteirinha, queridos e integrados à paisagem humana da cidade: Jaime, Manelão, Nicinha e Bibelô. Esqueci-me do Índio, uma figura estranha que apareceu por aqui no início da década de 1970. Como qualquer maluco que se preze, apareceu do nada e foi ficando. Era forte, feições duras, cabelos muito pretos e alguns traços que lembravam vagamente um índio brasileiro. Eu sempre o associava ao índio Tonto, o parceiro do Zorro. Usava camisas bem apertadas para realçar a musculatura do tórax. Os entendidos afirmavam que era gay. O certo é que pervagava pelas ruas de Teresina, fazendo bico onde lhe pagassem. Em mais de uma oportunidade, encontrei-o com bujão de gás no ombro. O Índio era estiloso.
Certa feita, nas proximidades da Praça Pedro 2º, houve um colisão de dois automóveis, fato raro, à época, na cidade de poucos carros. Imediatamente, juntou-se no local um amontoado de curiosos e desocupados. De repente, apareceu o Índio que, aos safanões, abriu caminho até o local do acidente. Dirigindo-se a ninguém, perguntou: “Quantos morreram?”. Ao saber que ninguém nem ao menos se machucara, declarou: “Cidade miserável. Não tem nem acidente que preste”. E desapareceu.
Um dia, inventaram (talvez com a conivência do próprio) que o Índio comia gatos vivos. A história ganhou as ruas com enorme velocidade e o maluco tornou-se uma celebridade. Ninguém jamais vira o índio comer ninguém, perdão, comer nenhum gato, mas todos acreditavam que ele realmente o fazia. Um dos jornais da capital chegou a estampar na primeira página uma foto do Índio ,cobrando das autoridades competentes medidas enérgicas para pôr fim àquela “prática perniciosa”, Lá pela tantas o autor da matéria,em tom profético, afirmava: “este famigerado índio só será contido quando machucar uma criança”. À época, em Teresina, havia um capitão com mais poderes que o general que governava o país. O cidadão era uma espécie de xerife, guardião da ordem pública e inimigo número um dos subversivos. Usava o lema dos escoteiros: sempre alerta! Diante do “ clamor público”,fez o que lhe cabia: intimou o índio a comparecer ao DOPS para “prestar esclarecimentos”. O Índio, que era doido, mas não burro, ficou esperto. Despiu-se da fantasia de índio e, humildemente, apresentou-se ao dono da lei. Consta que, asperamente, o capitão o interpelou: “É verdade que o senhor anda comendo gatos em espetáculos grotescos pela cidade?”. O índio esboçou o sorriso irônico e respondeu: “Que é isso, autoridade? Quem é que come um gato vivo? Eu só faço o agá!”. E mais não disso porque, naquelas circunstâncias, tudo o que dissesse poderia ser usado contra ele.
Algum tempo depois, o Índio foi encontrado boiando nas águas barrentas do Parnaíba. Não apareceu ninguém para reclamar-lhe o corpo ou cobrar “rigorosa apuração” por parte das autoridades competentes. O Índio se fez nada e, como tal, permanece.