No poema “Para Sempre”, Drummond afirma: “Fosse eu Rei do Mundo/baixaria uma lei:/Mãe não morre nunca”.Fosse eu assessor do Rei,por minha conta e risco, acrescentaria: “Nem os amigos”. Pensando bem, essa lei nos conduziria às Intermitências da Morte, a narrativa aterradora de Saramago: a morte resolve aposentar-se, e a vida se torna insuportável. Bandeira tem razão: “Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres”.
No início da semana, cumpri o triste dever de acompanhar o corpo de dona Diquinha Paixão ao cemitério São José. Como já afirmei em outras oportunidades, não tenho comércio com a morte, mas não sou insensível à dor alheia. Além disso, sou amigo da família Barbosa que fez da música um bom motivo para viver unida em paz. Nunca me esquecerei do dia em que Totó Barbosa cantou um bolerão em homenagens aos meus cabelos brancos, gestos que marcam para sempre. Dona Diquinha, que também cantava muito bem, foi sepultada ao som de “Rosa”, de Pixinguinha e Otávio Sousa. Nada mais adequado.
Como não tenho o hábito de frequentar cemitérios, aproveitei a oportunidade para visitar o túmulo de H. Dobal, o poeta que projetou nossa província no cenário mundial. Os piauienses, com a leviandade dos que só amam as novidades, vão jogando um manto de silêncio sobre a memória do nosso poeta maior.Depois se queixam da nossa baixa autoestima...
Depois de homenagear o poeta, resolvi procurar (sem resultado) o túmulo de Maria Tijubina, uma das figuras mais amadas dos boêmios teresinenses. Tijubina tinha um modesto restaurante nas imediações do Mafuá onde servia o melhor assado de panela da capital. Graças à generosidade dela, já tenho onde cair morto.
Vai que, um dia, eu, Assaí Campelo e Pedro Malazarte resolvemos fazer uma matéria sobre a velha Paissandu. Tijubina foi uma das entrevistadas. Lá pelas tantas, falou-se de morte. Impensadamente, declarei: depois de morto, podem me atirar em qualquer lugar:isso não fará a menor diferença. Foi aí que dona Tijubina interveio: “Isso é que não. Um homem de sua importância, professor, não pode ser enterrado em qualquer lugar como um cachorro. Eu tenho um túmulo, com três gavetas, no cemitério São José. Como só tenho uma filha, uma gaveta é minha; a outra dela e a terceira será do senhor. Estou lhe dando em vida”.
Que eu me lembre, nunca mereci maior deferência por parte de ninguém. Graças à generosidade daquela cidadã que mal me conhecia, já não posso afirmar que não tenho onde cair morto. Voltarei ao São José para localizar o túmulo da minha generosa amiga. Não é por nada, mas ultimamente a “indesejada das gentes” vem me rondando como um gato faminto... Não convém sair de cena sem uma gaveta onde se possa repousar em paz.