Para Luana Miranda
O Grupo Escolar Pe. Domingos da Conceição, em São Raimundo Nonato, era uma “não escola”. Não havia água, merenda, banheiro e os professores... melhor esquecê-los. Certa feita, uma professora atirou uma palmatória de aroeira num dos alunos. Errou o alvo, mas a marca do crime ficou evidente no reboco da parede. Se nos faltava quase tudo, sobrava enredo, como diria o Millôr. Exagerávamos nas reinações. Na hora do recreio, praticávamos o único esporte possível no espaço: atirar pedras uns nos outros e no que sobrara das vidraças. Como não conhecíamos coisa melhor, ninguém se queixava.
Dona Rosinha, a diretora daquela espelunca, nunca esquecia as datas:comemoravam-se todas, com “ardor cívico”. Assim, no início da primavera, todos perfilados, cantávamos a indefectível “cavemos a terra, plantemos a árvore...” e enfiávamos no chão estorricado uma muda de qualquer coisa: figueira, marmeleiro, canafístula... Na verdade, a expectativa de árvore não sobrevivia mais de 24 horas. Para a diretora, ciosa do seu papel de educadora, a coisa não tinha maior importância; a simbologia, sim.
Um dia, regressou à cidade uma família que, por muitos anos, vivera em São Paulo. Um dos garotos – Joaquim, se não me trai a memória – apareceu no velho grupo com a “grande novidade”: um televisek, uma geringonça com lentes que nos permitiam ver imagens (slides) ampliadas. O trem fez tanto sucesso que o espertalhão resolveu cobrar “ingresso”. Cobrava caro: cigarro, bombom, figurinha de mulher nua... Como era meu vizinho, numa deferência especial, me deixou contemplar aquela maravilha portátil. Eram doze imagens maravilhosas: jardins europeus, paisagens exóticas, um campo de tulipas, cerejeiras em flor... Diante do meu encantamento, explicou com ar professoral: “Isto é a primavera”. De repente, graças à engenhoca mágica, uma simples abstração ganhou concretude: a primavera efetivamente existia. Podia ser vista, fotografada e até transportada, via televisek, para as lonjuras do sertão piauiense. Decidi, na hora, que,quando crescesse, correria mundo só para ver de perto aquelas bonitezas inimagináveis.
Quando cheguei a Teresina, em 1965, vi, pela primeira vez na vida, um ipê recoberto de flores, ali no bairro Primavera. Como diria o Poeta, “um alumbramento”. Especado, fiquei um tempão olhando aquele dilúvio de beleza. Prometi a mim mesmo que, quando tivesse um cantinho de meu, plantaria alguns ipês, o que efetivamente fiz. Hoje, já não preciso sair do meu escritório para contemplar a primavera que, festivamente, se insinua em minha janela. Irmãos e irmãzinhas, Cecília Meireles tem razão: “A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la”. Feliz de mim que acredito nela e posso festejar-lhe a chegada com incontida alegria.