A MATRIARCA DOS LOUCOS*
Como aves migratórias, os loucos chegavam e
partiam sem hora determinada, sem rumo certo. Como
diria o Jaime Doido, “louco não mora”. Apenas um deles,
o Edison, sentou praça e incorporou-se definitivamente à
família. Foram muitos:
Bertinho – um pigmeu caboclo, idade inescrutável,
barba rala, barriguinha proeminente, olhos roídos pelo
tracoma e um apetite de diabo da Tasmânia. Tocava um
berimbau feito com um cordão de rede. Nunca vestiu
uma camisa.
Mário Velho – triste, lento, com ar bovino,
arrastava-se pelos caminhos. Tinha uma hérnia inguinal
imensa. Sofria de “entalo”, o que o obrigava a comer
lentamente. Dizia-se benzedor.
Velha Angélica – como as tanajuras, chegou com
as primeiras chuvas. Sem pedir licença a ninguém, adonou-se
da cozinha e fazia tudo com diligência e presteza.
Rescendia a café forte. Em matéria de valentia, nivelava-se
à matriarca. Curiosamente, as duas se entendiam bem.
Partiu nos fins d’água...
Cotinha – solteirona, pequena, encardida,
enfezada. Nunca cortou os cabelos, que mantinha
escondidos sob um lenço branco. Esperava o “prometido”
que, um dia, a conduziria ao reino do vai não torna.
Tarsila - pálida, feia, epilética, caminhava
manquitolando. Passava o tempo inteiro cantando uma
toada triste, monocórdia, improvisada. Procurava a filha
“sequestrada” sabe Deus quando.
Zé Sanfoneiro – cabelos e barba ruivos, dentes
proeminentes, estatura mediana. Gastava as horas
tocando uma sanfona imaginária. Dos doidos de dona
Purcina, era o único que seu Liberato suportava.
Edison do Ministério de Nossa Senhora – um
anjo estúrdio que, bêbado de azul, caiu em nossa casa
numa tarde de setembro. Trazia nos olhos baços o sujo
das lonjuras e o algodão encardido já lhe cobria a
carapinha. Por mais de trinta anos, viveu conosco. A
matriarca o chamava de “meu filho menos doido”.
Também marcava presença em nossa casa o velho
Pimpim que se fazia anunciar, de longe, pelo cheiro
inconfundível de tipi. Catimbozeiro, tinha comércio com
o caipora. Costumava afirmar: “Só ainda não joguei uma
bomba atômica nesta cidade por causa de três pessoas:
Dr. Abílio, major Manuel Carlos e dona Purcina”.
Não saberia explicar a enorme ascendência que
dona Purcina tinha sobre os loucos de todo gênero. Talvez
se devesse ao fato de ela protegê-los, alimentá-los e,
principalmente, tratá-los como “normais”.
Uma coisa é certa: a sombra da loucura esteve sempre tão perto dela
que, mais cedo ou mais tarde, acabaria por encobri-la
a sombra da loucura esteve sempre tão perto dela
que, mais cedo ou mais tarde, acabaria por encobri-la.
*Fragmento do livro Dona Purcina – a matriarca dos loucos, no prelo.