No quesito trânsito, Teresina caminha a passos largos para igualar-se a Bangcoc. A diferença é que lá o caos instaurou-se há mais tempo, permitindo a motoristas, ciclistas e transeuntes adaptar-se à cáustica realidade sem maiores traumas. Em matéria de lei de trânsito, só existe uma: tente chegar vivo. Como ninguém pretende chegar morto, o número de acidentes é relativamente pequeno. Em Teresina,ao contrário, parece existir um pacto, ainda que silencioso, a serviço da morte. Domingo passado, por exemplo, uma amiga enfermeira me ligou para informar que, em menos de quatro horas, nada menos de dez pessoas deram entrada no HUT, todas vítimas de acidente de moto. Estatísticas confiáveis dão conta de que, em média, a prefeitura de Teresina, gasta mensalmente um milhão de reais só com acidentes de motos. É o que se pode chamar de sangria desatada. Recursos que poderiam destinar-se à educação, à saúde, à cultura estão sendo drenados para uma causa que só rende dor e sofrimentos. A pior parte: o problema só tende a agravar-se. Hoje, em Teresina, é mais fácil comprar um automóvel ou um moto do que estacioná-los. Decididamente, não aprendemos nada com os erros dos outros.
Na semana passada, por volta das dez horas, eu me dirigia ao centro da cidade quando me vi metido num engarrafamento. Em tais situações, recorro quase sempre a Dick Farney, uma voz com o poder de me deixar sossegado mesmo num engarrafamento. Infelizmente, o velho Dick não estava à mão. Recorri a Ney Matogrosso interpretando Cartola na companhia de Raphael Rabelo: quase me esqueci de que tinha compromisso agendado e já estava atrasado. De pente, levanto a vista e me dou conta de que o veículo à minha frente era um carrinho judiado, um caminhão ¾ ,desses usados para fazer entregas rápidas. Na lameira, uma tirada espirituosa: “Propriedade de Deus: morro e não levo”. Impossível não rir. Comecei a imaginar Deus, com suas veneráveis barbas brancas, conduzindo aquele caminhãozinho no trânsito de Teresina. Seguramente, até Ele perderia a paciência. Por um milagre, a enfiada de carros começou a avançar lentamente. Saído não se sabe de onde, um motoqueiro, com uma manobra perigosa, passou por mim e tentou ultrapassar o caminhão. Não deu certo, freou bruscamente, perdeu o equilíbrio e, por muito pouco, não se transformou em notícia ruim. O motorista do veículo de propriedade de Senhor esticou o pescoço, fez um gesto obsceno com a mão e gritou: “Entra, filho da mãe, que tu te estrepa!”. O motoqueiro retribuiu e “carinho” e soverteu-se naquela lombriga metálica que se arrastava no asfalto quente...
Em casa, a frase da lameira do caminhãozinho voltou-me à mente: “Propriedade de Deus: morro e não levo”. Como só penso bobagens, imaginei uma frase para ser fixada nas placas das motos de Teresina: guiada por mim: a serviço do diabo. Médicos e enfermeiros do HUT sabem do que estou falando. E como sabem!