Reza a crendice popular que “Deus escreve certo por linhas tortas”. Falta-me autoridade para confirmar ou negar. De qualquer forma, coisas estranhas, às vezes, acontecem. Aos fatos. No início do século passado, no sertão do Pernambuco, havia um moço negro, pobre, aprendiz de sanfoneiro, que se enrabichou pela filha de um coronel da região. O pai da moça proibiu o namoro, e o frangote, encharcado da cachaça quente, foi tirar satisfação com o coronel. Por pouco, a coisa não desandou. Ao tomar conhecimento do fato, a mãe do rapaz aplicou-lhe uma surra caprichada com relho ensebado. Desfeiteado, o fedelho fugiu de casa, azulou no mundo e só voltou à casa paterna uns 30 anos mais tarde, ostentando a coroa de “rei de baião”. Não carece dizer que estamos falando de Luiz Gonzaga, o mais amado dos artistas brasileiros.
Em meados do século passado, outro rapaz, tímido, de sorriso fácil e gestos suaves, engraçou-se com uma coleguinha de turma, de nome Amália. Entregou-lhe um bilhete com um desenho que sugeria um relacionamento mais sério. O pai da moça descobriu a história, aplicou uma surra caprichada na mocinha e a proibiu de voltar a encontrar-se com o mancebo. Desencantado, o garoto jurou que, se não se casasse com ela, entraria no seminário. E assim se fez: em 1958, ingressa no Seminário Sagrado Coração de Jesus, em Buenos Aires. Na semana passada, o mundo ficou sabendo dessa história banal graças à indiscrição de dona Amália, uma senhora de cabelos brancos a quem o tempo maltratou sem piedade alguma. Quanto ao ex-namorado, um certo Jorge Mario Bergoglio, acaba de ser eleito Papa da Igreja Católica Apostólica Romana. Nem os vaticanistas com vocação para vidente apostavam um níquel em sua eleição. Lua e Francisco, dois destinos selados por surras “milagrosas”. Assim (também) caminha a humanidade...
Gonzagão saiu de cena, em 2 de agosto 1989, para tornar-se um mito; Jorge, com o manto de Francisco, saiu do anonimato, em 13 de março de 2013, para comandar um vespeiro ou “um ninho de serpentes”, como preferem alguns. Começou com o pé direito: a escolha do nome de Francisco, a primeira vez que isto acontece em 2000 anos de história da Igreja, já lhe abriu portas e coração. Sua primeira aparição como papa foi sucesso absoluto: em vez de, com a autoridade de pastor, abençoar a multidão que lotava a Praça São Pedro, humildemente pediu a bênção dos presentes.
Agora, sim, espera-se que o Espírito Santo se manifeste. Francisco precisa, com a maior urgência, apaziguar a vaidosa Cúria Romana; escorraçar as ratazanas do Vaticano; refrear a libido dos pedófilos acoitados sob as asas da igreja; evitar a corrida de suas ovelhas rumo aos apriscos reluzentes dos evangélicos e calar a boca o jornalista Horácio Verbitsky, que o acusa de cumplicidade com a ditadura militar argentina. Tudo isso é complicado, mas não impossível para quem tem comércio com Deus. O problema maior, o desafio mais sério será convencer los hermanos de que não será possível iniciar o processo de beatificação do Maradona antes que o gorducho desencarne. Boa sorte, Francisco dos pobres!