Sem compromisso agendado, sem pressa e sem maiores expectativas, domingo passado, resolvi visitar a cidade de Pedro II, terra do amigo Genuíno Sales. Cheguei após a missa, a praça da matriz estava deserta e a cidade era um convite a desfrutá-la. Fiz um punhado de fotos do belo casario, sentei-me num banco e fiquei assuntando o tempo. De repente, entra em cena a dona Dodôra, a melhor tradução da cidade. Professora aposentada, aos 62 anos de idade, a cidadã, borbulhante de vitalidade, parece uma menina arteira. Em meia hora de conversa, fiquei sabendo de suas alegrias, tristezas, conquistas, derrotas... Fala da vida, mesmo dos problemas mais íntimos, com a desenvoltura de uma atriz num palco. Depois de brindar-me com um café encorpado, falou dos parentes mortos, dos amigos e dos fantasmas que ainda se acoitam nos casarões... Lá pelas tantas, perguntei-lhe onde poderia almoçar. Com um sorriso maroto estampado na cara de lua cheia perguntou-me: ”Você quer um almoço para obrar ouro ou para obrar cocô comum”. Como sou cristão de poucas posses e nenhuma vocação para a ostentação, fiquei com a segunda opção. Ela me disse: “Procure o restaurante do Clemente. A comida é simples, saborosa e você paga pelo que comer e não pelo luxo”. Aceitei a sugestão e, efetivamente, aprovei.
Mais tarde, fui visitar Araújo e Verônica, dois escultores que dignificam a arte piauiense. A história dos dois há de me render, se Deus for servido, um belo documentário que pretendo realizar ainda este ano. Uma história singular,para dizer o mínimo. Quando Araújo conheceu Verônica, já era um artesão respeitado. Verônica, por seu turno, nunca ouvira a palavra escultura. Sabia apenas que Araújo “fazia santos”. Juntaram as vidas e os teréns sob o mesmo teto. O santeiro, em tom impositivo, afirmou: “Nesta casa, você pode mexer em tudo, menos nas minhas ferramentas”. Melhor seria se tivesse dito: pode mexer em tudo. Mal Araújo ausentou-se, Verônica pegou um pedacinho de umburana e,com uma faquinha afiada,esculpiu uma mulher em miniatura. O marido reprovou-lhe a desobediência, mas reconheceu-lhe o talento. Com as mesmas ferramentas, passaram a esculpir juntos. Ele, imagens de santos; ela, cenas do cotidiano feminino,o que faz dela uma artista singular. Tudo o que diz respeito ao mundo da mulher, ela recriou com engenho e arte. Não bastassem os dois, um filho do casal e a mulher dele também se fizeram escultores. Como se pode ver, tenho um material precioso – talvez único – à mão.
Depois da soneca num dos bancos da praça,à sombra dos oitizeiros, voltei para a Chapada com a convicção de que o Festival de Inverno, que se realiza na cidade anualmente, mudou definitivamente a cara de Pedro II. Hoje uma cidade que respira cultura. Pena que a maioria dos prefeitos do Piauí, por pura ignorância, ainda não tenha percebido que estimular a produção cultural do município é um investimento com retorno garantido.Pedro II é a melhor prova disso.