Assis Brasil atingiu aquele estágio em que já não precisa acrescentar nada ao currículo. Aos 80 anos, com mais de cem livros publicados, “inscreveu o seu nome no panteão da glória”, como diria um morrente imortal. Ainda assim, em boa hora, por proposição da professora Jasmine Malta, o Conselho Universitário da UFPI concedeu-lhe o título de Doutor Honoris Causa, no dia 12 do mês em curso. Homenagem justíssima.
Não sofresse daquela “inquietação de espírito” de que falava o poeta Bandeira, o autor de Beira Rio poderia descansar à sombra do que construiu. E não foi pouco. Aos 19 anos de idade, no Rio de Janeiro, ganhou o primeiro prêmio literário, com o poema “O Fantasma”, mais tarde transformado em conto. Com talento, disposição e disciplina,Assis Brasil transformou-se num guloso caça prêmios: ganhou todos os disponíveis no mercado.
Por oportuno, vale lembrar aqui uma história que ouvi do escritor José Cândido de Carvalho, autor de O Coronel e o Lobisomem. Em 1975, Assis resolveu concorrer ao Walmap, prêmio que já ganhara, em 1965, com Beira rio Beira Vida. Integravam a comissão julgadora dois desafetos de Assis. Os dois decidiram não premiar, em hipótese alguma, o escritor piauiense. Como os textos eram assinados com pseudônimo, usaram a seguinte estratégia: não premiariam nenhum romance com cheiro, cor ou sabor de nordeste. Votaram no desconcertante Os Que Bebem Como Cães. Por vias transversas, premiaram o desafeto. José Cândido me contou essa história às gargalhadas. De posse da grana do prêmio, em boa companhia, o vencedor do Walmap resolveu dar um bordejo pelo mundo. Só retornou ao Brasil quando o dinheiro acabou. Alma cigana.
Num país em que literatura ainda é encarada como atividade diletante, Assis sempre se comportou com profissionalismo. Embora tenha trabalhado como professor e jornalista, seu foco foi sempre a literatura. Certa feita, afirmou: “Só tenho vida literária”. Não é força de expressão. Ao longo de sua trajetória, escreveu poemas, crônicas, contos, romances, crítica, ensaios. Com sua prosaica máquina de escrever – não se adaptou ao computador - continua escrevendo todos os dias.
Para quem se espanta com sua capacidade de produção, explica: “Não há nada de extraordinário nisso. Escrever é a minha profissão. É o que sei fazer, é o que gosto de fazer”. E faz com enorme competência. No final deste mês, lançará mais um livro destinado ao público jovem, O Mistério da Estrela Tahakan. Na oportunidade, será lançado também o documentário Assis Brasil – o cigano erudito, contando um pouco da trajetória deste cidadão que, ao contrário de muitos outros escritores, está recebendo as flores em vida. Flores que fez por merecer.