“Viajar é o mais tedioso dos prazeres”. A frase é atribuída à Madame Staël. Se não pertencer a ela, podem atribuí-la a mim: ficarei feliz. Decididamente não sou um animal programado para viajar. A simples expectativa de uma viagem, seja qual for o destino, já mexe com a minha ecologia interna, me desestabiliza emocionalmente e me deixa inseguro e vulnerável. Quando viajo com dona Áurea, menos mal. Transfiro-lhe a responsabilidade para cuidar do que for relevante e me limito a fotografar. Em tais casos, ela funciona como uma espécie de piloto automático. Até nos restaurantes, cabe-lhe a tarefa de escolher o prato. Como sem fazer comentários. Depois, faça a patética pergunta que Fernando Sabino fazia à sua mulher: “Gostamos?”.
Na semana passado, convocado por M. Paulo Nunes, fui a Natal participar do XVIII Fórum Nacional de Cultura. As dificuldades se iniciaram na hora de escolher as opções e voo para a capital potiguar. A primeira: sair de Teresina, ir a São Paulo e voltar para Natal. A segunda: sair de Teresina, passar umas quatro horas no aeroporto de Fortaleza e, depois de 40 minutos de voo, chegar a Natal. Infelizmente, não me ofereceram a opção de viajar de jegue, mais rápido e muito mais barato. Escolhi o percurso Fortaleza. No Aeroporto Salgado Filho, sem muita coisa a fazer, resolvi entrar numa livraria. Por oportuno, esclareço: embora já tenha sido contaminado pelo vírus da internet, ainda conservo o vício anacrônico de ler livros de papel. Para minha tristeza, o cardápio era intragável: uns 200 títulos de autoajuda e o mais eram todos os tons de cinza imagináveis. Desacorçoado, já me preparava para sair quando deparei com A Queda – as memórias de um pai em 426 passos, de Diogo Mainardi, autor pelo qual não tenho a menor simpatia. Para quem não se lembra, Mainardi é aquele moço que, regiamente pago pela revista Veja e sob o guarda-chuva de um departamento jurídico capaz de livrá-los de todos os processos, fazia o papel de enfant terrible démodé, desancando semanalmente o ,então presidente, Lula, a quem chamava “minha anta’. Dele, li O polígono da seca e Contra o Brasil, nos quais ele pega o pior de Paulo Francis e Tom Wolf para mostrar total desprezo pelo Brasil e pelos brasileiros em geral. Ainda assim,comprei o livro.
Para encurtar esta arenga, li o livro de uma assentada, entre Fortaleza e Natal. Se me pedissem para defini-lo com uma única palavra, eu diria: soberbo. O pequeno-grande livro revela competência, elegância, humor e, acreditem se quiser, um profundo humanismo. O garoto Tito, com paralisia cerebral, conseguiu a rara proeza de despir o pai de sua arrogância ensaiada e trazê-lo ao convívio dos mortais. Lá pelas tantas, Mainardi afirma: “Para Marcel Proust, ‘a vida verdadeira, a única vida plenamente vivida, era a literatura’. Para mim, a vida verdadeira, plenamente vivida, passou a ser Tito”. Para por aqui. Quem duvidar do que afirmo leia o livro. Vejam a ironia: o intragável Diogo Mainardi quase me fez esquecer de que viajar é o mais tedioso dos prazeres.