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A notícia chegou ao bairro Aldeia como um corisco no céu de outubro: “Vão caçar o prefeito!”. Caçar animais, na região, era prática recorrente; caçar gente, não. O último caçado foi um tal de Abimael,que furtara fios de cobre no depósito do DNOCS. O polícia o caçou e o encontrou ,mas na parede do velho açude, ele deu um drible de corpo nos soldados, pulou na água,misturou-se às canaranas e nunca mais foi visto. Mais tarde uma professorinha explicou que “iriam cassar o mandado do prefeito”. À noite, no Clubão, reuniram-se os vereadores e, em sessão extraordinária, afastaram o alcaide, sob a acusação de “peculato”, “malversação de recursos públicos” e outros crimes ininteligíveis. Na saída do clube, a sogra do cassado, dedo em riste, gritou para o presidente da Câmara: “Se eu soubesse que você iria me fazer uma desfeita dessas, não teria te ensinado a ler”. O cidadão replicou: “Minha senhora, mandacaru não precisa de muita chuva pra vingar”. O ex-prefeito, mesmo cassado, continuou a governar a cidade. Enraizou-se ao poder, frutificou e, hoje, 60 anos depois, continua mandando no município.
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Campanha acirrada: dilúvio de acusações, insinuações, xingamentos e coisas piores. De um lado, um velho médico bonachão, de fala engrolada e orelhas de abano; do outro, um comerciante ladino, capaz de práticas “não republicanas”, para usar a expressão da moda. Deu o esperado: venceu o ladino. Até aí, nada de extraordinário; o que veio depois, sim. Na festa de comemoração da vitória, os paus-mandados lançaram rojões na casa do velho médico,cuja mulher “estava de resguardo”, aquele período de 30 dias em que mulheres,depois do parto, ficavam praticamente isoladas dos rumores de mundo. A pior parte: os adversários eram contraparentes. Menino ainda, aprendi, naquele momento, a mais severa lição: políticos não têm parentes, amigos ou inimigos; têm correligionários e adversários que, a qualquer momento,podem trocar de papéis.
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Seca de rachar o solo. Os moradores dos bairros Aldeia e Gavião nos valíamos de um poço tubular, aberto pela Pe. Lira nas proximidades do “Duvige”. Numas das campanhas violentas da cidade, uma das alas resolveu punir os moradores do Gavião e,na calada da noite,mandou um dos celerados entupir o poço com pedras,paus e areia. Na manhã seguinte, o desespero: centenas de pessoas sem uma gota d’água para cozinhar o feijão. Sem água, eu e a Bia, minha irmã amada, voltamos para casa aos prantos. Dona Purcina esbravejou. Seu Liberato fez um comentário seco e preciso como a palavra não: “Política é a mãe do cão”. Hoje, se visse o que vejo, seguramente, o velho diria: política é o cão, que nunca teve mãe.