Com toda a parafernália eletrônica disponível no mercado, a medicina moderna ampliou significativamente sua capacidade de diagnosticar e nomear enfermidades que nem o visionário Paracelso foi capaz de imaginar. A indústria farmacêutica, por seu turno, inventa medicamentos até para doenças ainda não descobertas. A meta é fazer “o alívio chegar antes da dor”, como queria aquele personagem de G. G. Márquez. Por outro lado, ainda não se inventou um remédio minimamente decente para curar resfriado. Continua tudo como recomendava a vovó: “chá de alho com limão e repouso”. Mas não é disso que tratará esta arenga.
Trataremos da Síndrome de Deus (ou complexo de Deus), enfermidade que grassa no país desde a época em que Cabral aportou por essas bandas, mas que se acentuou com o advento da República. Esta síndrome, cujos efeitos são tão perniciosos quanto os da corrupção, está tão enraizada em nossa cultura que nem nos damos conta do quanto ela nos custa. Explico: em nosso país, o governante – seja o presidente da República, seja o prefeito da Angirobal dos Crentes - não tem a menor noção do que significa a palavra república ( res+publica= coisa pública). Assim sendo, prevalece a prática danosa: o mundo começa no dia eu que eu tomo posse e termina no momento em que passo o cargo ao meu sucessor. Não fosse assim, como se explicariam as obras inacabadas; as pontes ligando o nada ao nunca; as estradas que levam a lugar nenhum; os projetos que sofrem solução de continuidade, independentemente da importância que possam ter? Entre os nossos políticos vige um princípio de aplicação generalizada: “Não vou adubar a horta política de ninguém”. Em outras palavras: “se o projeto não foi concebido por mim, não pode presta”. Percebe-se claramente o nível de irresponsabilidade dos gestores brasileiros quando, por lei, são obrigados a deixar os cargos que ocupam para candidatarem-se novamente: é um festival de inauguração de obras inconclusas, mal acabadas, superfaturadas, etc. E não me venham brandir a tal lei da “responsabilidade fiscal”. Há sempre um jeitinho de empurrar a coisa com a barriga, até mesmo porque, a cada dois anos, temos eleições. Praticamos a “democracia” mais cara do mundo.
Permitam-me citar apenas um pequeno exemplo dessa prática perniciosa entre nós. Durante o governo (tampinha- 2001) de Hugo Napoleão, Dona Leda pôs em prática um projeto luminoso, concebido pela artista plástica Lyzmedeiros: o Picoler. Barato, factível, de grande alcance social. Fácil de operar: dez carrinhos de picolé, cheios de livros, eram levados às praças públicas da cidade, tendo como atrativo músicos, contadores de histórias, palhaços,etc. Mal chegou ao poder, o governo do PT(2002) desativou o projeto com o argumento de praxe: “Se foi concebido por um governo reacionário e burguês, não pode prestar”. E assim, aos trancos e barrancos, vamos realizando a nossa eterna “viagem redonda”, como falava o historiador Raimundo Faoro. Brava gente!