Inicio esta arenga avisando a quem interessar possa: não votei na dona Dilma e jamais votaria no Sr. Aécio. Não fui, portanto, contaminado pela hidrofobia que grassou no país durante a mais abjeta das campanhas eleitorais que presenciei. Finda as apurações, acreditei que as coisas voltariam à normalidade. Como diria Machado, “Ao vencedor, as batatas”. Infelizmente, a fúria recrudesceu, trazendo no seu bojo uma carga enorme de preconceito. Para os perdedores, a “culpa” de o PT ter vencido as eleições deveu-se ao Nordeste, sempre atrasado, sempre conservador, sempre desinformado, sempre dependente do Bolsa Família...
Segundo um escritor, cuja pena está sempre a serviço dos bem-nascidos, os nordestinos sempre tiveram uma conduta “bovina”, o que se deve,naturalmente à pobreza e à ignorância.Bobagens do gênero ditas por garotões desinformados ou menininhas que só enxergam o próprio umbigo é uma coisa; ditas por um escritor, que se diz sério, é outra. Revela, acima de tudo, má-fé e preconceito. O nordestino pode ser quase tudo; bovino, não. Basta olhar para trás com um mínimo de seriedade para ver justamente o contrário. As insurreições políticas, as lutas libertárias aconteceram exatamente no Nordeste. Se recuarmos ao final do século XVI, já encontraremos manifestações de inconformismo contra a escravidão na figura dos quilombolas, cuja expressão maior foi Zumbi, à frente dos Palmares. Coube a um mercenário de São Paulo exterminá-lo, usando para tanto o expediente infame da traição.
Nas lutas pela independência do Brasil, enquanto os paulistas celebravam o “grito do Ipiranga”, onde nada aconteceu, na Bahia, no Piauí e no Maranhão, brasileiros humildes e mal armados derramaram sangue para garantir a independência e a unidade nacional. Quando a República parecia um sonho inatingível, foi em Pernambuco que se realizou a Confederação do Equador. Na luta contra a escravatura, foi a província do Ceará a primeira a insurgir-se contra tal ignomínia. Poderíamos citar aqui um sem número de rebeliões, lutas, conflitos contra todo tipo de opressão. Na Guerra do Paraguai, o contingente de nordestinos a participar das lutas foi muito expressivo. Onde está, portanto, a nossa passividade? Em matéria de cultura, sempre produzimos o que o Brasil tem de melhor: de Gilberto Freire a Graciliano Ramos; de Cícero Dias a João Cabral; de câmara Cascudo a Luiz Gonzaga...Melhor parar por aqui para não humilhar ninguém.
Não sou bairrista; não pedi para nascer no Nordeste; não ostento a faixa “orgulho de ser nordestino”. Não me envergonho, contudo, do nosso passado, marcado por lutas e conquistas memoráveis. Sou apenas um brasileiro desacorçoado. Talvez Chico tenha razão: “Nbarriga da miséria, nasci brasileiro”.