O poeta H. Dobal era um cidadão discreto, suave, quase tímido. Todavia quando estava entre amigos, contava histórias muito engraçadas, algumas inacreditáveis. Depois, sorria e afirmava: “Dizem que eu invento isso”. Eis a minha preferida.
Fiscal de renda, Dobal foi designado para um trabalho nos sertões do Piauí. Estradas ruins, carro velho, comidas péssimas e, às vezes, absoluta falta de água. Por volta do meio-dia, o poeta chega um lugarejo que, de tão ordinário, nem tinha nome. Na verdade, era um punhado de palhoças ladeando a estrada. Numa delas, uma placa vistosa onde se lia: “Restorante Oriental”. Como “a fome tem cara de herege” e não havia nada mais animador à vista, Dobal resolveu arriscar. Entrou na birosca e perguntou ao proprietário o que havia para comer. O cidadão, muito humilde, ofereceu-lhe o que tinha de melhor: cozido de espinhaço de bode, maxixe, pirão de farinha de mandioca, feijão e arroz. Um prato típico do sertão piauiense e, para quem não conhece, delicioso.
Dobal comeu sem dizer nada. Pagou a conta e,na hora da saída, não resistiu:
- O senhor vende comida oriental aqui?
- Não, senhor, respondeu o sertanejo.
- Alguém de sua família veio do oriente?
O cidadão nem sabia onde ficava o oriente. Todos os seus parentes estavam por ali, “puxando cobras para os pés”, naquele sertão onde quase nunca chovia. O poeta insistiu:
- Por que o senhor pôs o nome de Restaurante Oriental no seu estabelecimento?
- Promessa, seu moço.
A resposta insólita acendeu a curiosidade do poeta:
- Promessa? O senhor poderia me contar essa história?
- Bem, seu moço, eu estava em São Paulo, desempregado, com mulher e filhos pra sustentar. Então, numa noite de agonia, me apeguei com Nossa Senhora e pedi que ela me orientasse pra eu achar um rumo na vida. Ela me orientou: voltei pra cá, abri esse negocinho e,com a graça de Deus, estou escapando. Para agradecer a Nossa Senhora, botei o nome de Restorante Oriental.
Ouvíamos a velha história como se não a conhecêssemos, calados e atentos. Dobal esboçava um sorriso, e M. Paulo Nunes liberava sua melhor gargalhada, nunca esquecendo o comentário: “Isso só acontece com o nosso excelso poeta”.