Irmãos e irmãzinhas, com a triste autoridade de quem já cruzou o cabo das desesperanças, eu vos asseguro: envelhecer dói. Em mim, doem peças que eu nem imaginara existirem no meu corpo. Se, ao longo da caminhada, me ajudaram a chegar até aqui, sem maiores traumas, agora reclamam com frequências e me cobram cuidados especiais como velhas implicantes ou crianças caprichosas. Dias desses, às voltas com uma dor intermitente e aguda na perna esquerda, procurei um “especialista”, mercadoria que não falta na praça. O jovem esculápio, meu ex-aluno, tratou-me com carinho e desvelo. Pediu alguns exames, mas me disse, com naturalidade: “É o ciático, professor”. Não me contive: meu irmão, corri atrás de bola por quase 60 anos em campos de areia, de lama,de pedra e essa tal ciático nunca se manifestou. Por que resolveu me atazanar justamente agora? O médico valeu-se de uma metáfora um tanto desgastada: “Professor, na juventude, nos comportamos como correntistas perdulários: gastamos muito mais do que podemos. Na velhice, os credores nos cobram tudo com juros e correção monetária”. Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, recorreu ao título de um dos meus livros: “São as despesas do envelhecer”. Abraçou-me e me remeteu a outros especialistas.
Por minha conta e risco, resolvi engendrar uma tese que me parece razoável: li, não sei onde, que, num recém-nascido, 86% de toda a energia gerada pelo organismo são consumidas pelo cérebro. Na velhice, o corpo decadente demanda energias que o organismo já não pode oferecer e o cérebro controlar. O corpo torna-se uma espécie de exército destroçado sem um comando eficiente. Assim, aos trancos barrancos, avança até a derrota final...
Dia desses, uma amiga a quem o tempo maltratou sem piedade, me ofereceu um livro de autoajuda com a seguinte dedicatória: “Meu eterno professor, se o tempo envelhecer o seu corpo,mas não envelhecer a sua emoção, você será sempre feliz”. Pensei comigo: cheguei ao fundo do poço. Ao longo da vida, nunca li um livro do gênero, por uma razão bastante simples: acredito que os livros de autoajuda são, na verdade, expedientes de que se servem escritores medíocres para ajudarem-se a si mesmos (daí o autoajuda) à custa da boa fé dos incautos. Essa praga que assola o mercado editorial brasileiro começou com “O Poder do pensamento positivo”,de Norman Vincent Pearle, um best-seller que fez escola entre nós e vendeu toneladas de exemplares. Se eu tivesse de escolher entre um livro de autoajuda e a consulta a uma cartomante, nem pensaria duas vezes: ficaria com a cartomante.
Mas, pensando bem, eu não deveria estar me queixando de nada. Alguém que nasceu no sertão do Caracol, onde não havia água potável nem livros, onde a média de vida não excedia a 50 anos de idade ,chegar até aqui caminhando com as próprias pernas e respirando sem a ajuda de aparelhos, não é pouco. Melhor seria fechar esta arenga com o brado: gracias a la vida!