Se bem me lembro, apenas uma vez na vida vi dona Elizabeth de Carvalho Sá Lopes. Estava entre os empreendedores piauienses homenageados pela TV Cidade Verde. Só fiquei sabendo de quem se tratava quando o apresentador afirmou ser ela a proprietária da empresa “Lili Doces”. Não tinha, aos meus olhos, o perfil da empreendedora vitoriosa, arrojada, confiante. Pareceu-me uma mulher simples, uma competente doceira. Imediatamente, lembrei-me do fragmento de um poema da doceira-poeta Cora Coralina, que temperava doces e poemas “com açúcar e com afeto”. Ei-lo: “Sou mais doceira e cozinheira / do que escritora, sendo a culinária / a mais nobre de todas as Artes; / objetiva, correta, jamais abstrata / a que está ligada à vida / e à saúde humana”.
Tenho razões muito particulares para acreditar que as doceiras são pessoas especiais. Para mim, são mulheres acolhedoras, ternas e generosas, no seu paciente trabalho de tornar a vida menos amarga. Dona Purcina, minha mãe, abriu mão da condição de matriarca, no sertão onde morava, para tornar-se uma simples doceira em São Raimundo Nonato para onde se mudou com o objetivo de “dar estudo aos filhos”. Num velho tacho de cobre, ia transformando coco, batata, goiaba, leite e açúcar em inesquecíveis doçuras... A labuta com os doces suavizou-lhe as asperezas de sertaneja autoritária. Acabou se convertendo em “Tia Purcina”, uma das figuras mais queridas da cidade.
Impossível esquecer o seu gesto carinhoso de, pouco antes da hora de dormir, trazer-nos um pedacinho de doce, com a recomendação de sempre: “Coma, beba água, escove os dentes e vá dormir”. Aquele gesto maternal sabia a comunhão. Garantia-nos a certeza de um sono tranquilo. Graças aos doces de dona Purcina, aqui estou rabiscando este arremedo de crônica. Inimagináveis os sacrifícios que fez para nos garantir o mínimo necessário. Na cidade, nunca teve outra profissão. Foi doceira em tempo integral.
Eis que, no início da semana, correu a triste notícia do acidente que transformou dona Lili em saudade. Num país onde os acidentes de trânsito matam mais do que a morte, seu desaparecimento poderia ser apenas um número a mais nas estatísticas sinistras. Não é. Dona Lili, que não cheguei efetivamente a conhecer, era a mais famosa doceira do Piauí. Seu nome era sinônimo de qualidade, de cuidado, de zelo, de respeito ao consumidor. Assim, quando recebemos alguém especial em nossa casa, não há delicadeza maior do que oferecer, como sobremesa, um doce com a grife “Lili Doces”. Sem a intenção de fazer poesia chinfrim, não hesito em afirmar: sem dona Lili, a vida fica menos doce...