Oeiras ainda se encontrava no “ventre das expectativas”, quando aportaram no “Sertão de Rodelas” dois sacerdotes: Miguel de Carvalho e Thomé de Carvalho e Silva. Traziam na bagagem peça preciosa: uma imagem de Nossa Senhora da Vitória, presente do bispo de Olinda,Dom Frei Francisco de Lima, para a pobre gente que habitava aqueles ermos. Corria o ano de 1696. Para acolher a imagem, com um mínimo de dignidade, construiu-se uma rústica capelinha. Sob as bênçãos da santa, o povoado cresceu,tornou-se Vila da Mocha e, bem mais tarde, Oeiras, a primeira capital do Piauí. Em 1733, Nossa Senhora da Vitória já estava entronizada no altar-mor da Catedral de Oeiras e lá permaneceu por 150 anos, aproximadamente.
A imagem está longe de ser uma obra de arte e não se sabe exatamente quem a esculpiu em madeira de lei. O historiador Dagoberto de Carvalho acredita que tenha sido construída na Bahia onde a arte santeira, à época, já prosperava. Com aproximadamente 66 centímetros de altura, rosto arredondado e olhos arregalados, a santa, com feição nordestina, parece um tantinho assustada.
Em meados do século XIX, chegou a Oeiras uma nova imagem, vinda de Portugal. Trata-se de peça em madeira policromada, com pouco mais de um metro de altura, traços suaves, ”cara de santa estrangeira”, diria um dos loucos da cidade. Sem pestanejar, os oeirenses que se jactam de prezarem as tradições, destronaram a imagem primitiva e entronizaram a nova, “mais condizente” com os novos tempos. Começava aí o ostracismo da imagem primitiva. Primeiro, foi colocada numa das sacristias da catedral, depois, passou a peregrinar pelas residências dos bem-nascidos da cidade. Acabou nas mãos de um certo José Roberto de Amorim que a teria vendido, em 1965, a Leopoldo Portela,então vigário de Oeiras. Aqui a história ganha contornos nebulosos: ora, se o senhor Amorim estava vendendo um bem que,sabidamente, pertencia ao povo de Oeiras, caberia ao pároco denunciá-lo,reaver a imagem e reconduzi-la à catedral de Oeiras, de onde nunca deveria ter saído.
Resumindo a história, só no dia 14 do mês em curso, depois de penosas negociações, envolvendo o Ministério Público, o IPHAN e o bispo Dom Juarez, a imagem foi devolvida, perdão, “doada” ao povo de Oeiras pela família (viúva e filhos) do ex-pároco de cidade,Leopoldo Portela. A santa permaneceu por meio século “sob a guarda” da família Portela.
Recebida com carreata, foguetório e Te Deum, a imagem não foi “reentronizada”, como afirma a imprensa. Está numa redoma de vidro, na parte inferior do altar, mais próxima do povo. No momento, duas questões dividem os oeirenses. A primeira: a imagem deve permanecer no altar da catedral ou deve ser guardada no Museu de Arte Sacra da cidade? A segunda: a imagem foi devolvida ou doada à população de Oeiras. Indiferente às contendas humanas, a santa bochechuda e de olhos arregalados, aguarda, resignadamente, o destino que lhe reservarem os oeirenses. Brava gente.