Certa feita, um cidadão bem-nascido me admoestou (alguém ainda usa este verbo?): “Professor, quando o senhor afirma ter apenas três leitores, está sendo indelicado com dezenas de outros que também apreciam o que o senhor escreve”. De bate-pronto, obtemperei (outro verbo antigo): meu irmão, veja o que Machado de Assis escreveu na abertura do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas: “Que Stendhal confessasse haver escrito um dos seus livros para cem leitores, cousa é que admira e consterna.O que não admira nem provavelmente consternará e se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte, e quando muito,dez.Dez? Talvez cinco”. E acrescentei: se o maior escritor brasileiro escreveu uma obra-prima para cinco leitores, o pior cronista do Campo Formoso estará a um passo da glória de chegar aos três. Rimos e cada um seguiu o seu curso.
Hoje, aproveito este espaço para homenagear um leitor que, sozinho, vale por uma legião: Celso Barros Coelho. Para minha honra, o ilustre mestre lê, comenta e até corrige o que, semanalmente, escrevo neste caderno. Leitor atento, faz comentários pertinentes e correções necessárias. Suas observações sempre me enriquecem.
Aos 94 anos de idade, Celso Barros Coelho, professor, jurista e filósofo, continua lúcido e atuante. Dia desses, estive no escritório dele onde fui tratado com fidalguia. O decano dos advogados do Piauí, fez questão de me mostrar sua rica biblioteca, não se esquecendo de acrescentar: “ Esta é mais voltada para obras do Direito. Tenho mais umas três em lugares diferentes”. Mostrou-me também a “boneca” de um livro de memórias a ser lançado brevemente. Celso tem efetivamente o que contar. Seguramente há de figurar no livro uma história que conta com prazer: a do mascate que lhe salvou a vida, no interior do Maranhão. A família já não acreditava na possibilidade de salvar o garoto que jazia, quase morto, no leito. O bufarinheiro receitou-lhe umas “pílulas milagrosas” e o devolveu ao mundo, lépido e fagueiro.
Sem exagero, Celso Barros Coelho é o último magister dixit de que se tem notícia por essas bandas. Ex-seminarista, foi professor de grego, latim, português, literatura, francês e direito civil. Como jurista, deixou sua marca na redação da Lei do Divórcio, no livro das Sucessões do Código Civil brasileiro e em muitas outras leis do país.É autor de livros sobre os mais diversos assuntos: de Filosóficos a Direito.
Na década de 1970, fui aluno do mestre Celso na Antiga Faculdade de Direito do Piauí (FADI). É certo que, por culpa minha, aprendi pouco em matéria de direito. Na verdade, prendi que, na vida, só duas leis têm aplicação prática: a do mais forte e a do menor esforço. De qualquer forma, ter um cidadão da estatura de Celso Barros entre meus três leitores é um honra que não fiz por merecer. Longa vida ao venerável mestre.