Calma, Dilma!
Já faz mais de um mês que a candidata Dilma Roussef, numa entrevista, disse estas palavras: “Porque em Vidas secas, né, tá retratado todo o problema da miséria, da pobreza, da saída das pessoas do Nordeste pro Brasil.”
Trata-se de uma afirmação tão absurda, que é difícil compreendê-la, principalmente por ter sido feita por uma pessoa que pretende governar o país. O primeiro absurdo não é o lapso da candidata em dar a entender que o Nordeste não fica no Brasil. É repetir, implicitamente, nesse lapso a antiga visão, já criticada por Euclides da Cunha em Os sertões, segundo a qual os brasileiros da região litorânea não se importam com os brasileiros do interior do país, principalmente com os sertanejos. É como se fossem dois países muito diferentes. Um rico, bonito, alegre; o outro, pobre, desdentado e feio. Outros artistas brasileiros têm criticado essa visão. Milton Nascimento gravou uma música cuja letra também faz, com outras palavras, a mesma crítica de Euclides da Cunha. Já Elba Ramalho radicalizou, e uma de suas gravações fala de Nordeste independente. Calma, Elba! Não precisa ir tão longe. Mais acertado, porém é dizer-se: “Calma, Dilma! Não reforce uma visão tão preconceituosamente antiga contra o Nordeste. Muito da riqueza que o Sul-maravilha tem, deve, em parte, aos nordestinos. Seu mentor e patrão político é um nordestino, não se esqueça.”
Outro absurdo que se pode discutir na fala da candidata petista é o seu conhecimento rudimentar da obra-prima Vidas secas. Ela, que se vangloria tanto do seu desempenho de leitura, que se acha uma grande leitora, parece que não leu Vidas secas, e mal viu o filme homônimo. Devia pelo menos ter lido a apreciação literária que Rubem Braga fez do livro de Graciliano Ramos, considerado pelo velho Braga um romance-desmotável. Os capítulos estão estruturados de tal maneira, que podem ser lidos em qualquer ordem, e não se perde a sequência narrativa nem a compreensão do enredo. No primeiro e no último capítulo, os personagens estão fugindo de uma seca, mas nem eles, nem o narrador dizem para onde estão indo aqueles quatro infelizes: Fabiano, Sinhá Vitória e os dois meninos. Não se está exigindo aqui que a candidata Dilma conheça todos os livros de nossa literatura. Mas, já que ela falou do texto mais conhecido de Graciliano Ramos, texto esse que aborda gravíssimos problemas sociais e sem solução em mais de cem anos de vida republicana, devia saber um pouco mais sobre Vidas secas.
Se eleita for, Candidata Dilma, não se esqueça de propiciar ao velho Nordeste projetos que o retirem, de uma vez por todas, da situação de pobreza que em que ele se encontra até mesmo para que outras pessoas do sul-maravilha não cometam o ato falho de dizer que ele não fica no Brasil.
W. Ramos