COISA DE GOURMET
Na sexta-feira, dia 23 de maio, degustei uma fina iguaria no Favorito. Trata-se do Frango Al Limone. Há muito tempo, seja pela vontade de não sair, seja pelo medo de sair e ser assaltado, não saboreava , fora de casa, uma comida tão sutilmente gostosa.
Ela me lembrou alguns trechos de obras literárias clássicas, principalmente de Eça de Queirós e de Guimarães Rosa. Do primeiro, vale a pena transcrever alguns trechos do conto “Civilização”. Referindo-se a iguarias que seu cozinheiro fazia, Eça põe Jacinto, a personagem central, oferecendo a seus amigos “sopa de alcachofras e ovas de carpa; filetes de veado macerados em velho madeira com purée de nozes; amoras geladas em éter...” Em outra parte, durante um jantar na montanha com o narrador-personagem, a descrição do vinho degustado por Jacinto e o amigo é soberba. Ei-la: “nada, porém, o entusiasmou como o vinho, o vinho caído de alto, da grossa caneca verde, um vinho gostoso, penetrante, vivo, quente, que tinha em si mais alma que muito poema ou livro santo!” Que beleza! Lembra o que Baudelaire escreveu sobre vinho. E esses são apenas pequenos trechos de um conto de Eça de Queirós. Há muitos outros em vários livros desse autor. São tantos, que já se publicou um livro de receitas das iguarias designadas por Eça em sua obra, que é vasta.
De Guimarães Rosa, transcrevo um pequeno trecho de um de seus contos mais famosos, A Hora e a Vez de Augusto Matraga: “...Que o senhor mandasse aprontar para mim uma jacuba quente, com a rapadura bem preta e a farinha bem fina, e com umas folhinhas de laranja-da-terra no meio...” Vê-se logo que se trata de uma comida interiorana, brasileira. Mas se percebe seu caráter sutil que se aproxima das finas iguarias dos melhores restaurantes. Merece que, após degustá-la sob o teto de palha de uma choupana, sentado a uma mesa simples, se diga : “Isso é coisa de gourmet”.
É imensa a relação entre comida e literatura. Está presente em muitos tipos de texto, sejam em verso ou em prosa, em muitos autores, inclusive em alguns piauienses. Cabe a nós, os leitores, sejamos profundos conhecedores de iguarias ou não, mergulhando em textos literários, encontrar passagens que nos levem a dizer: “Isso é coisa de gourmet!”
Washington Ramos