É muito conhecida a imagem segundo a qual, ao envelhecer, devemos nos tornar como o vinho: melhores. É antiga essa comparação, mas é verdadeira e bela. Daí vem o fato de estarmos sempre a ela retornando. É irresistível. Ela já foi até mesmo estendida às mulheres numa versão de um grande sábio, segundo o meu amigo Edmilson Caminha, mas reservo-me o direito de não contá-la aqui.
Mas, antes de o vinho entrar em nossa vida, temos a infância e juventude para fazer muita bobagem ( diz a sabedoria popular que quem não as faz nessas duas fases da vida fará muita besteira na idade adulta e na velhice ), embora, é claro, haja muito jovem sensato. Agora continuar a prática de grandes tolices na idade da razão e na velhice é, de fato, burrice extrema.
Depois da terceira ou quarta década de vida, começamos a fase da sábia contemplação. Ao contrário do vinho, que, deitado, melhor se ajusta para desempenhar a função para a qual foi criado, nós, de pé, com o olhar no horizonte, melhor podemos pensar sobre como envelhecer.
Não temos mais ossos nem músculos para formar. Apenas para manter. Estamos na idade, então, de degustar, de curtir a comida e a bebida lentamente. Não é bom que nos aproximemos de “O Bicho”, de Manuel Bandeira, que, “quando encontrava alguma coisa, não examinava nem cheirava, engolia com voracidade.”
Agora, igualmente ao vinho, que vai desobstruir nossas veias, coronárias e neurônios, nós devemos desobstruir e reciclar nossa maneira de pensar, evitando os estereótipos que manietam a melhor idade. Afirmações como “Quem gosta de velho é reumatismo; a velho não se pergunta se está bem, pergunta-se onde está doendo mais; pijama e reza são os maiores recursos do velho; velho não namora, e outras infâmias, devem ser jogadas na lata de lixo da história.
Uma taça de vinho diária, para quem pode tomar, é recomendação médica e faz bem à saúde. Porém é algo mais. É um ato de sabedoria próprio da melhor idade, pois um jovem dificilmente vai se contentar com uma só taça de vinho. Ele quer sempre tomar todas, encher a cara.
O pessoal da melhor idade quer degustar poucas, mas porém boas e, lá no mais fundo de si mesmo, sem contar para ninguém, ouvir a voz sussurrante do vinho, que lhe diz algo assim: “Animal pensante,que me crias esmagando minha mãe com os pés, agora que chegaste de mais um dia de trabalho,depois de enfrentar o trânsito infernal da Frei Serafim, permite que eu te conforte. Agora, depois de um dia estafante, durante o qual talvez tenhas sido obrigado a compactuar com mentiras e calúnias, deixa que eu seja como um bálsamo levemente áspero penetrando em tuas veias e, ao mesmo tempo, deixando o meu gosto frutado em tua boca até que adormeças em estado de beatitude.”