No domingo 22 de Abril de 2012, eu estava sentado num banco de madeira, na Praça da Bandeira, esperando minha filha Ada fazer uma filmagem e umas fotos. Eram aproximadamente umas 17h. Um cara se aproximou de mim e falou mais ou menos o seguinte: "Olhe, não leve a mal, eu sou morador de rua, estou sem almoçar, estou sem grana. Será que você pode me arrumar cinco reais? É só por hoje. Amanhã, minha irmã que mora em Altos vem me resgatar. Tenho certeza, amanhã ela vem me resgatar."
Disse-lhe que não tinha dinheiro, e ele saiu. Deu-me vontade de dizer que era uma indecência, uma vergonha ele, um cara novo, bem-parecido, sem nenhum indício de doença nem invalidez, embora sujo e barbudo, ficar na rua pedindo dinheiro a desconhecidos, quando poderia muito bem trabalhar.
Na terça-feira, no mesmo horário, vi-o de novo na mesma praça, de cigarro na mão, fumando. Dessa vez não me abordou.
Desse episódio banal, ficou martelando no meu pensamento a frase "ela vem me resgatar", sobretudo o verbo "resgatar", que nos últimos 30, 40 anos entrou na moda, principalmente em trabalhos universitários e no linguajar da esquerda brasileira. Como já está com muito tempo que entrou na moda, tornou-se uma chavão, a ponto de entrar no vocabulário de um morador de rua, que talvez ache muito bacana usá-lo. Me dá vontade de rir quando me lembro do morador de rua usando esse verbo. Tenho visto tanta gente com preocupações sociais, tanta gente de esquerda, tantos professores universitários usando também esse verbo, e todos achando muito elegante empregá-lo, que francamente o riso se torna inevitável. E ainda porque a atenção que a turma da universidade brasileira diz dar a esses párias das ruas junto com a série de programas sociais do governo têm se revelado inúteis em parte. É grande o número de moradores de rua, a prostituição cresce, a violência aumenta, mas não vejo possibilidade de esses programas sociais mudarem muita coisa. Não que eles não devam existir. Devem sim existir. Algumas pessoas que neles trabalham se empenham de verdade e têm os melhores propósitos. Agora penso que alguns desses programas são desnecessários, como dar dinheiro para mulher parir e para família de presidiário.
Assim como esse morador de rua, outros milhares, ou talvez milhões, estão esperando um resgate que não pode ser propiciado pelo Bolsa-família, nem pelo Bolsa-presidiário, nem pelo pelo vale-gás, nem pelo Bolsa-gravidez, nem por nenhum tipo de esmola, inclusive polpudas gratificações que os governos municipais, estaduais e federal dão a vagabundos. Esse resgate só pode ser feito por eles próprios, moradores de rua.