É MUITA COINCIDÊNCIA?
“Encontrei-o pela primeira vez num tufão” e “Encontrei-o pela primeira vez no Pireu” são duas frases quase 100% iguais. A primeira inicia o conto “O Pagão”, de Jack London(1874-1916), escritor norte-americano, nascido em São Francisco da Califórnia. A segunda começa o romance “Zorba, o grego”, de Nikos Kazantzakis(1885-1957), escritor grego, nascido na ilha de Creta. O leitor sabe o que significa tufão. Pireu é o nome do porto de Atenas, a milenar capital da Grécia.
Agora vem a pergunta que incomoda: Nikos Kazantzakis plagiou Jack London? É muito difícil dar uma resposta categórica a essa pergunta. Mas parece que sim. São muitas as coincidências não só entre as duas frases, mas também entre os dois textos, o conto e o romance.
Examinemos primeiramente o que há de pouco diferente entre as duas frases, as palavras tufão e Pireu. Mesmo distintas, elas têm algo em comum, que é o mar. Tufão é um tipo de ciclone que ocorre principalmente no Oceano Pacífico e no Mar da China. Pireu é um porto marítimo. Nesses dois ambientes, o narrador de Jack London e o de Nikos Kazantzakis conhecem o personagem sobre o qual vão discorrer. Logo, mesmo na diferença, há semelhança entre as duas frases.
Agora vejamos semelhanças entre as duas narrativas. Em ambas, o personagem central não é narrador, mas o Pagão e o Zorba. Em ambas, o narrador é de primeira pessoa. Tanto o Pagão como o Zorba são homens rudes, mas admiráveis e desprovidos de preocupações com riquezas e com o dia –a- dia. Os dois narradores admiram os homens sobre os quais escrevem. Existem outras semelhanças, porém seria ocioso comentá-las.
Além disso tudo, deve-se considerar ainda que o escritor grego nasceu onze anos depois de Jack London. Este já era um autor famoso quando aquele começou a escrever. O próprio romance Zorba, o grego foi publicado em 1942, vinte e seis anos depois da morte do norte- americano. É muito provável que Nikos Kazantzakis, que viajou bastante pelo mundo, não conhecesse pelo menos um pouco da obra de Jack London.
Não quero denegrir a imagem de um dos mais célebres autores da velha Grécia. Inclusive, ele é um autor que admiro. Vejo em “Zorba, o grego” uma das obras clássicas da literatura universal. Mas incomoda a semelhança desse livro com o conto de Jack London. Hoje, valoriza-se extremamente a originalidade e o direito autoral e repudia-se o plágio ou a imitação disfarçada. Agora se não houve realmente cópia e se trata de uma coincidência, temos que admitir que ela é possível embora muito rara de ocorrer.
Tudo isso me lembrou uma leve irritação que o escritor Eneas Barros teve ao ler um conto de um amigo seu que tinha uma personagem com o mesmo nome da personagem Jaçanã, que está em seu livro (dele Eneas) Macauã. Imagine-se então a irritação de Eneas Barros se houvesse, entre seu romance Macauã e o conto de seu amigo, tantas coincidências como as que existem entre “O Pagão” e “Zorba, o Grego”.
W. Ramos