Fora de Órbita
- Bem, Dr. Ruy, esse manuscrito é o que consegui pegar, sem ele saber, é claro. Peço que o senhor me ajude a salvar meu filho. Leia isto, que pra mim está desconexo, e veja o que senhor pode fazer. Já está com dois dias que ele não sai de casa.
Ela não me quis. Há um mundo de distinções entre mim e ela. Tenho 17 anos. Ela, 35. É rica, elegante, bonita, educada. Tem um jeito de senhora, de dama altamente respeitável. Na verdade, não tenho certeza se ela é rica. Mas o restante de positivo que mencionei é verdade. Quando a vejo usando um tailleur, que realça muito seu aspecto senhoril, que a faz parecer-se muito com a mulher do escritor Gustavo Flávio no filme “Bufo & Spallanzani”, só penso que ela é rica (meu Deus, como é o nome daquela atriz que é a esposa do Gustavo Flávio no filme “Bufo & Spallanzani”? Ela tem uma aparência tão meiga, tão senhoril. Preciso rever esse filme. Vou revê-lo umas 200 vezes. Ela é que vai ser minha amada agora, já que minha senhora me desprezou. Alguém sabe o que é desprezo? Eu sei! ).
Mas não me importa se ela é rica, ou pobre, ou classe média metida a rica. Nada disso me interessa. O que me interessa é que ela é linda e eu a amo. O que me interessa é que ela não usa uma selvageria chamada piercing, é que ela não é casada e já notou minha presença. Mas existe uma grande diferença entre notar minha presença e me querer. E se ela me achou um pirralho. Não, não, isso não! Não sou careca nem cabeludo. Não uso boné nem camiseta. Não uso calça rasgada. Não é possível que ela me veja como um fedelho, como um sujeito que mal deixou os panos de bunda.
Fiz tudo para entrar na órbita de seu interesse. Descobri onde é seu escritório de advocacia; já sei que, toda quarta-feira à noite, ela come uma salada e toma uma taça de COROA D’ouro tinto seco, no Favorito. Mas nada disso adiantou. Meti os pés pelas mãos e a perdi. Não me contive em vê-la apenas duas ou três vezes por semana e passei a segui-la diariamente. Foi a minha ruína. Na última vez, antes de entrar no Teresina Shopping, ela se virou, veio em minha direção e falou: “O que você quer? Por que está me seguindo?”
Mesmo irritada, sua voz não soou grosseira. Mal consegui gaguejar um não. Não sabia onde meter a cara. Fiquei todo errado. Dei meia volta e fui embora quase correndo. Não saio de casa há dois dias. Meus pais estão preocupados. No colégio, sentem minha falta. Ainda bem que estamos na última semana de novembro, e eu já estou aprovado desde outubro. Mas não consegui entrar na órbita de minha amada senhora e estou saindo da minha.
A Nasa tem lançado pequenas sondas ao espaço como a Pioneer 10 e a Voyager, que apenas orbitaram os planetas do nosso sistema solar, aproveitaram-se da força gravitacional deles e se mandaram no universo sem fim. Eu também vou para um universo sem fim, mas sem ter tirado nenhuma força do planeta amado.
W. Ramos