Em um dia qualquer de julho de 1976, fomos, eu e um amigo, visitar uma garota pela qual ele era apaixonado. Chegando lá, a mãe dela nos recebeu muito bem e nos disse que estava lendo o romance Floradas na serra, de Dinah Silveira de Queiroz. O título desse romance e o nome de sua autora ficaram martelando em minha cabeça. Eu, a partir daquela visita já tão distante no tempo, fiquei com vontade de ler essa obra. Mas, por não procurá-la e também por ela não me vir às mãos, o tempo foi passando, e nada de essa leitura acontecer.
Um belo dia, porém, lá no velho Liceu, um colega, que ministra aula de Química, chegou para mim e falou:
__ Professor, eu tenho lá em casa um bocado de livros de uma coleção de literatura. Você não gostaria de me comprar? Eu vendo bem baratinho, a dois ou três reais cada um.
Topei na hora a proposta e pedi que, no dia seguinte, ele trouxesse uma lista dos livros para eu dar uma olhada. Enorme foi a minha surpresa ao perceber que, na relação que meu colega trouxera, estava Floradas na Serra. No mesmo dia, sofregamente, fui à casa dele e comprei todos os livros que me interessavam, inclusive o da Dinah, claro. Ao chegar de volta à minha casa, comecei logo a leitura de Floradas na serra e a concluí dois dias depois. A partir de então, desencadeou-se em mim uma vontade imensa de ler tudo dessa escritora e também sua biografia.
Li, então, os contos A moralista que consta da antologia Os cem melhores contos brasileiros do século; Pecado, que, concorrendo com 150 narrativas de autores latino – americanos traduzidas para o inglês, obteve o primeiro lugar num concurso literário nos EUA; O céu anterior, que é pura ficção científica, e vários outros.
Há um contraste interessante entre um dado de sua vida pessoal e alguns de seus contos. É o seguinte: ela era católica e chegou a ser recebida pelo papa Pio XII a quem defendeu numa crônica da acusação de ser o papa de Hitler. Contraditoriamente, porém, os padres que atuam em alguns de seu contos são figuras de pouca religiosidade e meio palermas. No conto A mão direita, há um sacerdote sem fé, sem vocação e com ódio da própria mãe. No conto Tarciso, há um padre tão palerma, que não percebe o caráter mediúnico de um adolescente de cuja família ele é muito amigo. No conto Guida, um padre, numa festa beneficente numa mansão, ao ser interpelado por uma senhora sobre vários casais que vão para debaixo das árvores, no escuro, apenas retruca: “Minha senhora, tudo é amor, amor, amor...” No conto A moralista, a cidade fica sem padre e entregue à liderança religiosa de uma mulher que exala sensualidade. Todas essas narrativas curtas de Dinah Silveira de Queiroz podem se resumir neste contraste: reflexões anticlericais de uma escritora católica.
Por fim, indiquei a leitura de DSQ a meu amigo, que é ateu e não gosta de padres. Mas acredito que ele vai gostar dos padres da Dinah, nem que seja apenas para reforçar seu inveterado anticlericalismo.