Muitos fatos ocorridos no Brasil recentemente lançam dúvidas em minha mente sobre a possibilidade de estarmos evoluindo social e politicamente, ou se estamos regredindo para o fundo do poço da era das cavernas.
Bandidos assaltam uma loja e, depois de fazerem o rapa, um deles, gratuitamente, podendo atirar nas prateleiras ou no balcão, prefere dar um tiro na cabeça da moça do caixa, que morre na hora. Deixou órfão um menino de quatro anos de idade. Indignação contra essa barbaridade? Quase nenhuma! Essa indiferença diante de crime tão covarde talvez seja pior do que o crime em si, já que ela pode escancarar a porta para que ocorram mais assassinatos frios como esse. “Como quase ninguém protesta, vamos continuar nossa farra”, pensam os bandidos.
Poucos dias depois dessa hediondez, o atual ministro do Meio Ambiente, a quem a Folha de S. Paulo já cognominou de Indiana Jones de madeixas, que devia se reportar mais a temas de sua pasta, participou de uma tal de Marcha da Maconha e lançou seu brado de indignação contra o tráfico e a hipocrisia, defendendo a legalização da erva. Quase ninguém falou nada contra o ministro e as esquisitas figuras que protagonizaram esse ajuntamento de maconheiros. O ego dessas pessoas, massageado diariamente pela fumaça da diamba, não lhes permite avaliar o impacto da legalização da maconha num país de dimensões continentais como o Brasil. Elas não se lembram de que este país não se resume à “maravilhosa” zona sul do Rio de Janeiro.
No Congresso Nacional, que devia ser exemplo de moralidade e respeito na condução da coisa pública, a lama está saindo pelo ladrão. São passagens aéreas dadas a parentes de deputados e senadores; são empregadas domésticas pagas com dinheiro público; é deputado afirmando que está se lixando para a opinião pública, pois é sempre reeleito, apesar de tudo; é o próprio presidente da República, que um dia afirmou que, dos deputados federais, pelo menos trezentos eram picaretas, tentando justificar a farra das passagens aéreas; é filha de senador tendo sua conta de celular com ligações internacionais paga com dinheiro do Congresso; é, por fim, o assombro do eleitor ao descobrir que até parlamentares que ele considerava incorruptíveis, como Fernando Gabeira e Eduardo M. Suplicy, também deram passagens aéreas a parentes.
E onde entra a literatura nisso tudo? Entra na completa ausência de um poeta ou um romancista que engendre uma obra que tenha algum impacto combativo contra essa lama toda, inclusive contra a inércia de um povo que suporta conviver com políticos e bandidos tão corruptos e cruéis. Há vários escritores que publicam crônicas em grandes jornais do país, mas nenhum, absolutamente deles, escreveu ou disse algo que tivesse alguma repercussão crítica contra esse absurdo estado de criminalidade político-social que o país vive.