E também dos cajueiros, das flores de caju, de sua fragrância e do amor entre mim e Jaçanã. E ainda das castanhas. Principalmente destas! Já que foi com o leite quente de uma castanha, misturado com o sangue que nós extraímos de nossos polegares da mão esquerda, que marcamos nossos corpos com o símbolo do nosso amor: um coração com os nomes Ivã e Jaçanã entrelaçados. Ela o desenhou em meu peito esquerdo, me queimando a pele e inoculando o estigma de um amor verdadeiro no mais fundo de minha alma. Fiz o mesmo entre os seios dela.
Foi lá, na Alameda dos Cajus, que trocamos os primeiros beijos e afagos, enquanto uma brisa corria e salpicava nossos cabelos e roupas de flores de caju, e um esplêndido luar insinuava-se por entre folhas e galhos. Ainda me lembro de Jaçanã catando as florezinhas dentre os pêlos de meus braços, juntá-las na palma da mão, amassá-las e depois colocar a mão no meu nariz. O resultado foi um perfume delicadamente amargo, totalmente contrário ao amargor da nossa separação involuntária.
Me lembro disso agora, porque o tempo dos cajus está chegando. Já aparecem os primeiros frutos – as primícias - , que se renovam de ano para ano. Mas o meu amor por Jaçanã não precisa se renovar. Está firme, fiel, inabalável, embora a possibilidade de reencontrá-la seja pequena.
Nos conhecemos em Parnaíba, à sombra do cajueiro de Humberto de Campos. Foi o Roberto, primo dela, que nos apresentou. Foi simpatia à primeira vista. Conversamos muito. Ela estudava botânica e disse-me que o caju é sua fruta preferida. Até o nome – caju – formado por quatro letras diferentes, ela o considera de uma beleza sem par. E o bonito e sensual era quando ela pronunciava a palavra, estendendo os dois lábios para frente,formando um meio bico. Caju! Ah, meu Deus!
Na volta para Teresina, tornamos a nos encontrar, também por puro acaso. Foi no museu do Zé Didô. Estava conversando com ele, quando ela entrou: “Mas que surpresa, você por aqui, Ivã!” “Pois é, moro em Teresina, mas sou daqui.” Ela me convidou para degustar um doce de cajuí na casa da avó dela. Recusei, pois estava um pouco apressado para chegar a Teresina. Trocamos os telefones, e vim embora.
Três dias depois liguei pra ela e a convidei para conhecer o sítio de meus pais na estrada de Palmeirais, com sua alameda de 40 cajueiros, 20 de cada lado. Os velhos não gostaram muito daquela menina fina dando palpite sobre plantas. Mas foi lá que tudo começou; foi lá que juramos amor eterno e acima de tudo, dos preconceitos, dos pudores, das convenções sociais e até mesmo do sexo. Foi lá que cometemos a loucura de queimar nossos corpos com leite de castanha e sangue. Só que a velha mãe dela descobriu o desenho entre os seios e a levou ao Rio, à clínica do Dr. Pitanguy. O pai e os irmãos dela andam dizendo que vão me pegar. Tudo bem. Só que eu já comprei uma passagem para a Cidade Maravilhosa e vou disposto a encontrar Jaçanã, custe o que custar.
W. Ramos