Sete Décadas
Acabei de ler “Floradas na Serra”, romance da autoria de Dinah Silveira de Queiroz, de 1939.
A ação se passa em Campos do Jordão, principalmente na pensão de D. Sofia, que fica num lugar chamado Abernéssia, para onde vai Elza, a personagem central, para curar-se de uma tuberculose. Há algumas cenas também na cidade de Capivari. O final da narrativa, o qual é aberto e pode levar o leitor a duas especulações, ocorre em S. Paulo, a Capital. A primeira especulação é imaginar se Elza vai continuar com seu noivo, que está chegando de Londres; a segunda é imaginá-la voltando para Campos do Jordão e reencontrando Flávio.
A leitura desse romance me lembrou o assassinato de Felipe Caffé e Liana Friedenbach. Por que essa lembrança? Porque Elza e Flávio, duas personagens muito importantes no livro, passeiam a pé, sozinhos, pelos campos da região. Mas, em momento algum, são incomodados por quem quer que seja. Elza chega a tomar banho completamente nua, em uma cachoeira, imitando a personagem Olivinha, que já fizera o mesmo antes. Claro que tudo isso é ficção, mas uma ficção perfeitamente verossímil, mesmo se considerando a época que o romance retrata, provavelmente anos 20 e 30 do século XX.
Agora, voltando a Felipe e Liana, a história dos dois, em parte, lembra a relação entre Elza e Flávio. Ambos os casais procuram um região bucólica e erma para namorar, passear, ser feliz pelo menos por algumas horas. Mas, entre a ficção protagonizada por Elza e Flávio e a realidade vivida por Liana e Felipe, há exatamente 70 anos de diferença. E a violência que se vive hoje, a qual vitimou Felipe e Liana, era inimaginável há 70 anos. Aí está então uma das importâncias de “Floradas na Serra”: nos fazer refletir sobre o quanto a vida humana se degradou; o quanto a violência, em apenas sete décadas, nos tornou vassalos do medo e da paranóia; o quanto um ato tão romântico, simples e bonito, como o passeio de um casal de namorados, está se tornando algo raro por causa da brutalidade que nos espreita diariamente.
Outras reflexões sobre “Floradas na Serra” podem ser colocadas, como a diferença entre a ficção que se fazia nos anos 30 e 40 e a que se faz hoje. Mas isso é assunto para outro texto. Não quero te cansar, leitor. Contudo te recomendo a leitura desse romance de Dinah Silveira de Queiroz. Vale a pena.
W. Ramos