Em artigo publicado na revista Veja dia 27 de setembro de 2006, Jerônimo Teixeira veio responder à pergunta que fiz a mim mesmo sobre o sucesso das publicações de Paulo Coelho. Por modismo, não mais que isso; li quase todos os livros do autor. Nada me chamava a atenção nas publicações, uma ou outra frase de impacto pra não ser tão cético, o fato é que nas rodas, em conversas com amigos e alguns letrados todos se referiam com tamanha empolgação sobre o autor de Verônica decide morrer (e o pior é que não morre). Para Jerômino Teixeira: o “novo romance de Paulo Coelho (referindo-se à Bruxa de Portobello) lembra um fato fundamental: ele é um péssimo escritor”.
Partindo desta afirmação recorri à visão crítica e universal de Francisco Miguel de Moura sobre os famosos best-sellers (bestas de selas, na expressão popular) como ele mesmo afirma e ao universo mimético caracterizado no passado pelos filósofos gregos Platão e Aristóteles.
Paulo Coelho até que tem tentado exercer, sem parcimônia, a mimese em seus romances, mas o obscurantismo de sua prosa o tem destacado mais como um simulacro de escritores e poetas. Sua narrativa não traz nada original, basta relembrar a frase “todo universo está contido num grão de areia”, que, na verdade é uma citação do poeta britânico William Blake (1757-1827) conforme destacou a revista Veja na edição de 23-03-2005. Isto prova a falta de respeito (do “reescritor” de lendas árabes) à memória do leitor contumaz.
Permínio Asfora (1913 – 2001) – escritor piauiense, deixou inéditas as “Confidências no Largo da Segunda-Feira” (Catedral das Letras, 192 páginas, 28,00 reais), cuja publicação póstuma se deu em 2005 numa co-autoria com seu filho, o jornalista Lúcio Asfora. O livro, escrito a quatro mãos, traz um enredo que vai além de meros fragmentos e centra-se no assassinato da personagem central, Marina Falconi. Daí em diante tenta-se desvendar o mistério em torno da morte da jovem – que é bissexual, através de sessões espíritas ou de elementos materiais. As digressões intencionais da narrativa levam ao panorama político-social da época com as passeatas estudantis, as greves bancárias (não como essas que vemos nos dias de hoje), a repressão militar, as prisões de inocentes, entre outros fatores que marcaram a memória do país e que sujaram as ruas de algumas capitais com uma tinta vermelha a que chamamos sangue. Já A bruxa de Portobello (Planeta, 294 páginas, 19,90 reais), como assinala o crítico da Veja, tenta armar, sem sucesso, um mistério em torno do suposto assassinato da protagonista, para o qual inventa uma solução estapafúrdia. Ainda bem que o meu artigo foi publicado antes da publicação da consagrada revista, do contrário estariam me acusando de plágio. Na verdade fiz e repito duas perguntas: Por que Paulo Coelho está sempre retratando uma realidade distante da de sua aldeia? Por que nunca focaliza a geografia humana do nosso país? A resposta já foi dada: “ele é um péssimo escritor”; ou mesmo um simulacro de lendas árabes.
O trabalho mimético vai muito além da mera reprodução ou fotomontagem de ações, personagens, ambientes e enredos. Uma série de estudiosos (principalmente os ocidentais) tem procurado dar uma dimensão mais apurada ao estudo da mimese caracterizado no passado por Platão e Aristóteles. Contudo somente a partir de Kant, Hegel e Croce, no século XIX, os estudos de Hölderlin e a tradução da Arte poética feita pelo escritor britânico S. H. Butches é que a mimese passou a ser entendida como revelação da plenitude do real. No Brasil sobressaem-se Eduardo Portela, José Guilherme Merquior e Luiz Costa Lima.
Os escritores conscientes – que são antes de tudo leitores incontestes, realizam a mimese vinculada à noção de catarse, pois a escritura literária não se deve refletir apenas como “espelho” da realidade. Daí a importância das três tradições situadas por Stefan Maráwski, ligadas ao termo (mimese) na estética ocidental: a platônica (imitação das aparências), a aristotélica (imitação das essências) e a democrítica (imitação das ações da natureza).
Clarice Lispector (1925 – 1977) trabalha com o fluxo de consciência que quebra os limites e espaços-temporais e aprofunda-se na introspecção psicológica. Em sua obra “A hora da estrela” a personagem central, Macabéa, ou simplesmente Maca, realiza um trabalho mimético após o rompimento do namoro com Olímpico de Jesus – quando se dá a Epifania. No espelho a personagem imagina-se o símbolo da identidade desejada: Marlin Monroe – a atriz das superproduções de Holywood. A trilha dessa vertente foi aberta pelos primeiros autores modernos europeus: Marcel Proust, James Joyce, Wirgínia Woolf, Faulkner, entre outros.
Por esse motivo, talvez, é que Paulo Coelho chama James Joyce de “ilegível”. Mas um fato fundamental que o “Mago” não quis ou não soube analisar é que a sua narrativa anda longe de ter a estrutura e a cadência da narrativa do escritor europeu. A bruxa de Portobello é um amontoado de lugares-comuns, confusões de tempos verbais, redundâncias escandalosas, além de imprecisões pronominais, conforme anotou o crítico da Veja.
(Artigo publicado pela 1ª vez em 11.10.2006)