Quando ingressei na atividade turística, ouvia um rosário de expressões específicas, como
check in, check out, permanência média, mercado emissor, by night, ticket médio, city tour, etc. Era uma enxurrada de jargões incompreensíveis que me deixavam atordoado, tendo que reconhecer o meu inominável nível de desinformação sobre o assunto. Resolvi me debruçar na escassa bibliografia existente pra superar meu neo analfabetismo.
Sem que seja necessário me deter no “englicismo” do setor, fiquei exultante quando li que turismo é o movimento de turistas. E recorri ao Caldas Aulete pra saber o que significava “turista”. E lá estava: turista é a pessoa que faz turismo. Gracinha, não? Sentindo-me como o vira-lata que tenta morder o próprio rabo, perguntei a um professor de lingüística o significado de turista. Empostado, com aquela voz de carregador de pedra, respondeu: A palavra turista vem do inglês, tour, que significa movimento. Logo, turista é aquela pessoa que se movimenta. De tão simplista, deixei de cumprimentá-lo. Quando o vejo na rua, mudo de calçada.
Não me deixando vencer, continuei minha incessante busca pelo conhecimento. Dois meses de intensa leitura na biblioteca da empresa significaram uma pá de cal na minha solitária ignorância. Aí, sim, eu já me sentia capaz de conversar com colegas e empresários do setor.
O fato é que hoje, quase 30 anos depois, vejo que o Brasil tem poucas cidades turísticas. Predomina, na maioria delas, aquele encardido conceito de que “turismo é o movimento de turistas”, ou que “turista é toda pessoa que se movimenta”, segundo o professor de lingüística.
Lamentavelmente, esse conceito embolorado coincide com a compreensão dos governantes sobre o turismo. É comum ouvir deles que a cidade está lotada de turistas. Ficam em êxtase com o vai-e-vem de visitantes fotografando um monumento ali, uma igreja acolá, entrando e saindo de restaurantes ou zanzando pelas ruas. Essa é a via mais simplória para mostrar à população que sua política voltada para o turismo está no rumo certo.
Além de não solucionar seus problemas crônicos, a exemplo da limpeza, segurança, mobilidade urbana e saúde, a gestão deles desnuda um tema da maior saliência, a falta de políticas consistentes voltadas para a área cultural, capazes de apoiar e dinamizar atividades artísticas, culturais e até esportivas por meio de exposições, festivais, peças de teatro, shows e campeonatos. Nessa direção, elasteceriam a permanência do turista e estimulariam a injeção de mais dinheiro novo na economia, contribuindo para a geração de emprego e distribuição da renda, além de promover a interatividade do visitante com a cultura local.
O turismo é uma atividade lúdica na sua essência, razão pela qual não convive com guerras, dificuldades internas, ou qualquer hostilidade, seja de natureza política ou diplomática. Na qualidade de agente econômico, a função natural do turista é influenciar a economia pela via da geração de demanda. Visto sob essa ótica, a transversalidade do turismo, além de percorrer a cadeia de serviços, permeia também os outros setores da economia. Segundo os estudiosos, a atividade turística impacta 50 itens da economia onde se desenvolve.
As autoridades, quase sempre encasteladas em posições políticas, deveriam perder seu indisfarçável medo de fortalecer a vocação da sua cidade, tornando seu destino caleidoscópico, estereotipado. Como fazem os americanos, com seus pacotes turísticos que simulam “passageiros” em carruagens do velho oeste fugindo das inocentes e inofensivas flechas dos índios sioux. Dessa forma, mantêm vivo um dos mais significativos ícones da sua cultura popular, além de faturarem milhões de dólares por ano. Ou, Las Vegas, cidade construída no deserto, hoje um dos mais bem sucedidos destinos turísticos do mundo. E ainda a Disneylândia, construída num laranjal, recebendo 14 milhões de visitantes/ano.
Enquanto os órgãos oficiais de turismo forem dirigidos por indivíduos que perderam a eleição em seus redutos políticos, numa demonstração clara de que o setor sempre receberá o tratamento de filho bastardo, o cenário de descaso e incompetência irá prevalecer.
Que Deus tenha piedade de nós, amém!