Já escrevi neste espaço o roteiro cinematográfico trilhado por políticos que se envolveram em falcatruas ou qualquer outro desvio de conduta. Refiro-me aos sete ministros que foram parar no Valle de los Caídos acusados de intimidades com o dinheiro alheio.
Descrevi na época que, no primeiro momento, esses políticos botam a faca entre os dentes, engrossam a voz, negam tudo e ainda acusam a oposição de pretender construir palanque em torno das denúncias. Na medida em que a imprensa acrescenta mais lances ao enredo, eles vão perdendo argumento e a voz já não tem os mesmos decibéis iniciais. Depois de passarem pela Comissão de Ética, acuados diante da opinião pública já desconfiada, entregam o cargo alegando a intenção de facilitar o andamento das investigações. Sobre o dinheiro surrupiado, sequer tocam no assunto.
A situação do parlamentar Demóstenes Torres, líder da bancada do DEM no Senado, não está sendo diferente quando usa a mídia. Durante a semana, ele repetiu a mesma lengalenga dos outros políticos que caíram em desgraça. Mas, sabendo que o caso irá parar no Supremo, ele foi rápido no gatilho e encaminhou carta ao Presidente do Partido renunciando ao cargo de Líder, sob o argumento de que seu gesto magnânimo “se deve à necessidade de acompanhar a evolução dos fatos noticiados nos últimos dias". Em carta ao presidente do Senado, José Sarney, pediu para fazer um discurso no plenário para se defender dos ataques à sua honra.
O senador Demóstenes está sendo acusado de ser amigo de Carlinhos Cachoeira, preso por ligações com o jogo do bicho e pela exploração de máquinas caça-níqueis. Segundo a imprensa, o senador goiano recebe regularmente 30% do faturamento para engordar o “Caixa 2” da sua futura campanha ao governo de Goiás. O senador Demóstenes é acusado também de ter pedido ao infrator a quantia de R$ 3.000,00 para pagar o aluguel de um taxi aéreo, e de ter recebido dele uma geladeira, um fogão e um celular Nextel.
Em entrevista, o advogado do senador, Antônio Carlos de Almeida Castro, que também atende pela alcunha de Kakai, disse que o Senador reafirmou a amizade com Carlinhos Cachoeira por uma questão de caráter. Perguntado sobre a veracidade das acusações, de pronto ele disse: “Que eu tenha conhecimento, não. Eu não converso com o senador sobre esses detalhes, que do meu ponto de vista são desimportantes do ponto de vista jurídico”. O excesso de “pontos de vista” fica por conta do Kakai.
Ao que me parece, esse episódio envolvendo o Senador Demóstenes assume contornos políticos mais graves do que deveria. Em primeiro lugar, porque que se trata de um aguerrido parlamentar até então visto como um paladino no combate à falta de ética e de decoro na política. Ele sempre bateu de frente nas quadrilhas amigas do dinheiro público. Assim foi a sua postura adotada na CPI do Mensalão, por exemplo.
Por outro lado, além do pálido desempenho do Congresso Nacional, fatos dessa natureza envolvendo um parlamentar do calibre do senador Demóstenes, só contribuem para ofuscar o brilho das oposições que passam a ser confundidas com políticos que habitam o submundo da ilicitude, além de comprometer uma das suas atribuições básicas, a de patrulhar o malfeito.
De certa forma, esse caso me faz lembrar de Wagner Love e Adriano, duas pessoas de massa, amados Brasil afora por conta do belo futebol que praticam. Ambos tiveram suas imagens conspurcadas porque insistem em manter relações de amizade com pessoas da sua comunidade de origem, sobre as quais pesam acusações de praticarem atividades ilegais.
Não pertenço aos quadros de nenhuma agremiação partidária, tampouco ao DEM, mas enquanto defensor das liberdades democráticas, espero que o senador Demóstenes Torres não tenha que guardar o barril de chope quando a sua festa mal começou. Caso aconteça, perderemos nós e a democracia brasileira.