Semana passada ouvi a música El Reloj e imediatamente fiz um turismo lá pelo final da década de 50 e início dos anos 60. Como militante do romantismo nas horas vagas, de férias escolares em Coaraci, então, só se fazia dançar ao som de músicas do gênero. Novenal, meu irmão, com a radiola debaixo do braço, agenciava o local para as noites dançantes. A estratégia era infalível: não bastava o hospedeiro ser pai de uma mina. Ela tinha que ser simpática e ter um amplo raio de relacionamento com amiguinhas do mesmo naipe. Assim, estava garantido um bloco variado de “presas” para as noites seguintes.

Nosso empreendedor sempre conseguia a casa de um amigo, depois a casa de outro, e assim sucessivamente. Ceder a residência era inclusive um artifício utilizado pelos pais para defender suas “crias” dos predadores que vagavam à solta pela cidade sempre atentos à possibilidade de um repentino ataque.

Nada era exigido do hospedeiro a não ser a sala para dançar. Alguns mais generosos serviam um ponche. O que não podia faltar mesmo era o discreto amasso na gatinha, um tira-gosto do qual não se abria mão. Eu disse “discreto amasso” porque se alguém mais afoito se excedesse nos beijos, ou outras iniciativas impublicáveis, seria vitimado por um olhar mortal do dono da casa. Além disso, era seu passaporte para o sereno por ter descumprido o Regulamento da Somac - Sociedade Secreta dos Machistas Cafajestes.

No Art. 2º do Capítulo V - Vacilação e Bobeira, lá estava o princípio básico: É vedado ao dançarino acariciar regiões femininas sensíveis, a exemplo de mamilos, ouvidos e partes baixas. O Art. 3º do mesmo capítulo rezava que, ao término de cada dança, caso o Dom Casmurro do dançarino apresente sinais de inchaço, deverão ser adotadas medidas urgentes para reverter a situação. E o Parágrafo Único era taxativo: Em casos como o mencionado no Caput desse artigo, o dançarino deverá morder a língua até sangrar, ou contar de 100 até zero numa freqüência cadenciada, até que a fúria do rebelde “professor” apresente sinais de humildade, com a cabeça apontando para baixo.

Dessa forma, a Somac não só protegia o hospedeiro de um possível vexame, como também passava a exercer maior controle sobre aqueles sabidórios que, ao dominar uma mina pela cintura, pensavam em converter esse gesto num ato sexual relâmpago.

Além do Trio Irakitan, fazia sucesso também o Trio Los Panchos. Um sambinha suave era muito bem aceito. O long-play de Waldir Calmon, intitulado Uma Noite no Arpege, por exemplo. Entre os estrangeiros, quem liderava a preferência da turma era Billy Vaughn, com o long-play La Paloma, de propriedade de Novenal, o dono da radiola. O trompetista Harry James e o conjunto de vocalistas The Platters tinham espaço garantido. Vez por outra, alguém colocava Nat King Cole que cantava Around the World, Mona Lisa, Unforgettable, etc., sendo que esta última criava pensamentos descabidos na mente do libidinoso dançarino.

Não me lembro de ter presenciado uma briga sequer, nem antes, durante ou depois desses encontros dançantes. O uso de drogas, nem pensar! À exceção do ponche a que me referi, não havia necessidade de outra bebida alcoólica qualquer. Só o amasso bastava.

Triste é aquele indivíduo que não tem do que recordar, o que não invalida o meu prazer de viver os dias atuais.