Sou apaixonado por muitas facetas culturais que a velha Bahia oferece, entre as quais as festas populares e tudo que sincretiza ao seu redor. O ciclo de festas começa Conceição da Praia no dia oito de dezembro, e só termina com o carnaval. Pra mim, de todas as festas eu considero duas as mais belas, a do Senhor dos Navegantes, no dia primeiro de janeiro, e a de Iemanjá, no dia dois de fevereiro. Por coincidência, ambas usam e abusam da mesma moldura, o mar.
Hoje, dia dois de fevereiro, vou pra mais um desses atos litúrgicos, melhor dizendo, vou cair na gandaia. Não tenho culpa se o calendário de muita gente não tem um Dois de Fevereiro. Também não vou levar para o túmulo remorso por ter sido ao Bahia o lugar ideal para a África atracar e fundar uma cidade sensual, erótica e ao mesmo tempo religiosa. Coube a Salvador esse privilegio. Nada a fazer.
O Brasil inteiro cantarola com Maria Betânia a música intitulada Dois de Fevereiro que Dorival Caymmi fez em homenagem à ciumenta e vaidosa Rainha do Mar.
Dia dois de fevereiro
Dia de festa no mar
Quero ser o primeiro
A saudar Iemanjá
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Para quem não sabe, o parentesco é muito próximo entre a cidade do Salvador, essa bela senhora de 463 anos, e a Rainha do Mar. Iemanjá é considerada a mãe de todos os Orixás e, por isso, é chamada também de Mulher de Ventre Grande.
Às cinco horas, na enseada do Rio Vermelho os pescadores rezaram missa na Casa do Peso em homenagem à rainha. Ainda no altar, ao longo do dia ela recebe uma multidão de populares que, em fila, fazem pedidos e deixam seus presentes, como perfumes, sabonetes, flores, pentes, alfazema, escovas de cabelo, espelhos, comidas e outros mimos que a rainha adora. No final da tarde, o momento mais emocionante: em silêncio, os pescadores avançam seis quilômetros mar adentro com suas embarcações transportando em balaios as oferendas de Sua Majestade. É a hora da entrega.
Enquanto isso, ao som de atabaques, agogôs e berimbaus, os súditos vagueiam pelas ruas do Rio Vermelho, bairro boêmio de Salvador, cenário dessa homilia. Bebendo, cantando e dançando, de tão embriagados já não sabem o que acontece ao seu redor. Não sabem, sequer, que já é noite e Iemanjá dorme.